‘As consequências de juros tão altos vão aparecer em 2 ou 3 anos’

Empresário mineiro propõe um entendimento da sociedade para fazer as taxas baixarem antes de prejudicarem fortemente a economia; também defende que Brasil precisa sentar na mesa com os EUA, para discutir as tarifas

O engenheiro mineiro Rubens Menin é reconhecido atualmente como um dos mais influentes empresários brasileiros. Não apenas pelo tamanho de suas empresas, mas como também pela diversificação dos negócios.

Como um dos fundadores da maior construtora residencial brasileira, a MRV, em 1979, ele deu um salto para o cenário nacional e construiu uma fortuna capaz de hoje abarcar negócios tão diversos e tão reconhecidos como o Banco Inter, a empresa de galpões logísticos Log, a emissora de notícias CNN Brasil, e a Rádio Itatiaia. Também é dono de uma vinícola na região do Douro, em Portugal, e o maior acionista da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) do Clube Atlético Mineiro, o seu time do coração.

Na semana passada, parte das preocupações de Menin estavam com os resultados do futebol e em explicar sobre a troca da presidência da CNN, com a saída do empresário João Camargo, também investidor no mercado de rádios e dono do grupo de lobby empresarial Esfera. Mas, segundo o bilionário, as maiores preocupações para o Brasil precisam estar voltadas para os juros altos, que superam os 10%, descontando a inflação. “As graves consequências já estão encomendadas e vão aparecer com mais força nos próximos dois a três anos”, afirma.

Também merecem cuidados os rumos da negociação do tarifaço do presidente americano, Donald Trump. “Se isso demorar muito tempo, eu tenho um certo receio que seja muito ruim para nós”, diz, defendendo que o Brasil precisa conseguir montar uma mesa de negociações com os Estados Unidos.

Leia os principais trechos da entrevista com o empresário.

O Brasil atingiu um juro real da ordem de 10% ao ano. Como isso impacta a economia e os negócios?

Não fica de pé. Muito se fala que juros não são causa, mas consequência, o que eu concordo. Mas também concordo que as consequências de juros muito altos, e por tanto tempo, são bastante danosas para a economia. É muito nocivo. Muito mais do que as pessoas possam imaginar. Pior ainda: as graves consequências já estão encomendadas e vão aparecer com mais força nos próximos dois a três anos. Serão decorrentes da falta de investimentos e consequente perda de competitividade, com menor crescimento econômico. O efeito dos juros a gente vai ver, cada vez mais forte, daqui para frente. Vamos sentir mais a bagunça atual daqui a dois anos.

Como essas condições se traduzem para as empresas?

Eu fui visitar uma empresa, semana passada. É uma empresa modelo, bacana, a maior do Brasil no setor. Ela está com um plano de expansão para um terreno paradinho. Dá uma pena, por que precisa de financiamento e, evidentemente, ela não vai fazer com esses juros. Existem duas situações de empresa, aquelas que que contrataram empréstimos com a taxa muito boa de 2%, e que fizeram todo o plano de negócios em cima desse valor e que agora estão com dificuldades sérias. E existem outras que agora pensam em investir, mas estão adiando o investimento.

E qual o caminho para permitir uma baixa da Selic?

Um exemplo é o que a gente fez quando criou o Plano Real. A sociedade sabia que a inflação machucava. A gente trabalhava muito para acabar com a inflação em 1994, mas ninguém falava de juros, nem sobre as causas dos juros. A sociedade discutia a inflação. Tudo passa por uma discussão com toda a sociedade. Você não faz nada se a sociedade não tiver comprado a ideia. A gente fez todo o esforço contra a inflação e hoje está conversando de juros, ainda de forma não tão intensa quanto deveria.

Precisa acontecer uma discussão em todos os setores envolvidos. Comenta-se muito que a faixa mais baixa da sociedade é a mais prejudicada pelos juros e é realmente a que sempre vai sofrer mais. Mas juros altos matam todos. De forma mais rápida ou mais devagar.

Até o momento a economia tem resistido bem, com desemprego baixo e uma atividade que ainda continua forte, arrefecendo devagar? A própria Selic alta tem mostrado dificuldades para trazer a inflação para a meta do Banco Central?

A gente está crescendo por causa de muitos fatores. Por exemplo, até hoje, nós estamos tendo impulso daqueles juros de 2%. Existe uma defasagem.

Os incentivos governamentais desde a pandemia e das últimas eleições, e que continuaram crescendo desde então, não estimularam além do necessário a economia?

Por exemplo, hoje, o BPC (Benefício de Prestação Continuada) e o Bolsa Família colocam muito dinheiro na economia. Eles são necessários, mas não da forma que estão. Eles precisam ser repensados, por que podem trazer uma série de malefícios: dificultam a contratação de mão de obra e podem ser inflacionários. Às vezes, o Congresso fica brigando por R$ 20 bilhões, por R$ 30 bilhões. Esses programas chegam a R$ 300 bilhões. Todo mundo sabe que tem de rediscutir o BPC e o Bolsa Família.

Nenhum país do mundo tem um programa social tão intenso igual o Brasil. É bom que a gente pode ter programas assim. Eu acho que, mal ou bem, o nosso sistema de Previdência e o nosso Sistema Único de Saúde (SUS) são razoáveis. Nem Estados Unidos nem a China tem uma Previdência tão organizada quanto o Brasil.

A gente se queixa do SUS, mas ele funciona. É necessário que seja assim. Mas a gente não consegue fazer tudo. É questão de fazer conta. Então, a gente tem de melhorar. Ligando tudo isso, nós estamos com um problema estrutural muito sério, que é o problema do déficit público. A gente não tem como aumentar mais a receita.

Os esforços do governo precisam mudar de aumentar a receita para cortar as despesas?

A hora que mudou do teto de gasto no orçamento para o arcabouço fiscal, no final, o objetivo era o mesmo. Mas a solução foi aumentar a receita. Isso chegou no limite do razoável. Eu não acredito que vai passar mais nenhum aumento de receita no Congresso. Precisa ter corte de despesas, ou o troço vai virar de cabeça para baixo. Se o arcabouço não mostrar a que veio, vai ser muito ruim, com inflação, juros sem espaço para cair e o câmbio subindo. Isso é o que me preocupa no médio prazo. Ainda mais no meio de um cenário mundial agora complicado.

Não é difícil que esse debate seja levado à frente chegando em ano eleitoral?

Infelizmente, discutir isso de forma mais aberta não é do interesse de todos. Não é um assunto que interessa a ninguém, na verdade. Não é político falar de juros. Isso é muito difícil mesmo.

E em específico para o setor imobiliário os juros não dificultam muito o financiamento e podem causar uma queda no mercado?

Existem três fontes de financiamento. O FGTS cumpre bem o papel dele, ajuda bastante o setor. A outra são os recursos da poupança, mas isso infelizmente está ruim. Ele fica mais caro, por que flutua. Você teve o SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo) algum tempo atrás financiando a taxa de 7%, e hoje está em 12%. E ele está com pouco dinheiro. Ele é completado pela LCI (Letra de Crédito Imobiliário), que também teve um pouquinho de dificuldade por que aumentou o prazo.

Então, tem a terceira opção, que seria a grande válvula de escape nossa, que é o mercado de capitais, onde tem os fundos FII (fundos de investimento imobiliário), os CRIIs (Certificado de Recebíveis Imobiliários) e etc. Ele começou muito bem. O arcabouço é bom. Mas, como o juro subiu muito, então, no final chega no consumidor de uma forma que, se o FII, hoje, não pagar uma taxa muito elevada, não tem liquidez. Então, chegou ao limite de viabilidade para financiar os projetos. Não se consegue captar se não pagar uma taxa muito alta, e daí a conta não fecha.

Isso tudo pode causar aumento de preços para comprar imóveis e também explica por que o programa do governo do Minha Casa, Minha Vida para a classe média não decola?

Esse Minha Casa para a classe média foi criado exatamente porque faltava financiamento. Foi uma substituição ao financiamento tradicional. Ele está ainda abaixo do esperado por que é um financiamento um pouco mais caro do que o do Minha Casa para a faixa mais baixa. O pessoal tem de fazer a conta seguinte. Se vai pegar R$ 200 mil emprestados para pagar em 30 anos, se os juros forem 7%, a prestação é X. Se for de 12%, ela dobra. E aí não cabe mais na renda. No segmento da parte de baixo da tabela com juros de 4% e 5%, fica mais de pé. Na hora que você vai para a parte de cima da tabela, a coisa complica. Com juros reais a 10%, é coisa de país em guerra.

E quanto ao tarifaço do Trump, como o governo vai conseguir melhorar as condições para as exportações brasileiras?

O Trump tem pegado pesado agora também com a Índia. Mas a Índia tem uma vantagem. Eles já estão sentando na mesa e nós não estamos ainda. Eu não sei como é que que a gente vai fazer, por que nós não temos uma mesa formada ainda. E acho até que estamos na fase anterior. Não tem nem vontade de ter a mesa.

Não é um consenso que a mesa deve existir. Primeiramente, tem de chegar a um consenso, para depois formar a mesa e, então, discutir os termos. Se isso demorar muito tempo, eu tenho um certo receio que seja muito ruim para nós. Infelizmente, para nós, vai ser mais impactante do que para os Estados Unidos. Vai ter um impacto econômico. Alguns setores vão sentir um pouco.

O Brasil vai ter de fazer alguma concessão comercial, política ou de regulação para baixar tarifas, como até a Europa precisou?

Vamos ter de sentar na mesa mesmo. Quanto mais rápido, é melhor. O Brasil tem de falar com o mundo todo. Com a China, com os Estados Unidos, com a Rússia, com a Europa, com a África, com a Oceania. Nós somos um país que vende muito commodity. Então, precisamos estar no mundo todo. Não existe razão para a gente não ter relacionamento comercial com um país igual aos Estados Unidos. Ele é o maior investidor no Brasil. A China é o maior parceiro comercial do Brasil, mas o maior investidor são os Estados Unidos. O mercado de valores do Brasil é pequeno. Quando fizemos, em 2007, a abertura de capital da MRV, 85% do recurso veio de fora. E quase todo dos EUA. Eles têm uma máquina de dinheiro, que são os grandes fundos, como o Blackrock.

O dinheiro não é americano. É do mundo todo que eles fazem a gestão. As grandes empresas de tecnologia valem sozinhas mais do que a bolsa de valores do Brasil. A nossa economia perdeu a força. As maiores empresas brasileiras, com R$ 400 bilhões, não dá nem US$ 100 milhões de valor. É muito pouco.

E quanto a Lei Magnitsky aplicada contra figuras públicas brasileiras? Qual o problema disso, em especial para o sistema financeiro brasileiro?

É um ponto de atrito que não deveria precisar existir entre os países. Todo ponto de atrito é negativo. Existem dúvidas de como aplicar. Tem de sentar, não sei como, e discutir tudo isso. Igual como sempre foi feito.

E a gente tem alguns pontos de interesses para eles, como a questão de regular as big techs, a disputa de abertura do mercado de etanol e a mineração de terras raras?

Não se vive mais sem big techs. Então, temos de arrumar uma forma de relacionamento com eles, sentar e discutir. E não temos como voltar atrás no uso da tecnologia. Qual é a empresa hoje que vive sem o Google, sem a Meta? Então, não tem jeito. Acabou. Feliz ou infelizmente, vamos ter de conviver com isso. A Europa está tentando discutir com elas. Na regulação, podemos seguir o que a Europa está fazendo, por que ela faz bem feitinho.

E como vê o próximo ano de eleições presidenciais?

O mundo está muito polarizado. Entrou numa polarização chata, maluca, e ninguém mais tem paciência para ela. Já cansou. Não se vira uma nação sem alguma união. Temos de achar pontos em comum. temos de respeitar todas as minorias, todas as preferências políticas. Sou um pregador da união.

Esta semana, a CNN oficializou a saída do empresário João Camargo da presidência. Qual foi o motivo dessa mudança?

Ele resolveu seguir com os negócios dele, que ele cuida. Nos procurou, conversamos, de forma civilizada, como deve ser. E ele foi tomar conta dos negócios. A CNN é um negócio muito grande. E eu tenho um time muito bom. Estamos lá trabalhando. Estou satisfeito da vida.

Mas não é um projeto que demanda muito tempo e muita energia, e o Camargo aliviava isso para você?

Da minha parte, não muito. Tem bons profissionais ali, que cuidam das coisas. Eu estou no conselho. Mas é um projeto que me dá muito orgulho. Depois de decorrido cinco anos, saber de onde a gente saiu e onde que a gente chegou dá muita satisfação.

Um outro negócio de grande responsabilidade e que é uma paixão sua é o Atlético Mineiro, o clube no qual é o maior investidor. Surgiram boatos de que o investidor boliviano Marcelo Claure, da varejista Shein, e que também investe nos clubes Girona e Bolívar, teria interesse em comprar uma participação no Atlético. É verdade?

Se ele tem interesse, não me falou. Vamos receber ele em Belo Horizonte, por que o Bolívar vai jogar contra o Atlético nas quartas-de-final da Copa Sul-Americana. Ele é um amigo.

Mas hoje para um clube ter sucesso no futebol brasileiro precisa de mais dinheiro, não?

Eu sou muito admirador do esporte no Brasil, como um todo, e do futebol especificamente. É uma indústria crescente. Precisa agora dar um passo maior. Precisamos fazer a nossa liga. O investimento e os orçamentos estão crescendo.

Os dois grupos, Libra e Liga Forte União, indicam que estão se entendendo para isso?

Não tem jeito. A coisa que é boa para todo mundo, como é que não vai fazer? Se você melhora a qualidade, aumenta o investimento, e daí melhora mais a qualidade. É uma coisa de tempo. Quanto mais rápido acontecer, será melhor para nós.

E isso vai trazer mais investimento, por que hoje para você montar um próprio time de ponta precisa de mais recursos?

Está caro. A gente, com o valor que a gente investia, montava um dos três melhores times do Brasil. Não dá mais. O Flamengo está com muito dinheiro. Mas já tem times gastando mais do que poderiam e outros com um orçamento melhor. Nós vamos fazer alguma coisa nova em relação à SAF, para poder investir mais. Diminuir um pouco do endividamento para poder ter mais dinheiro disponível para poder investir, porque senão eu acho que a gente vai ter de pensar daqui a um tempo em ter um investimento maior no futebol (Estadão)

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