Ambientalistas: Licença da Foz do Amazonas é sabotagem ao Brasil na COP30

  • Especialistas veem contradição em passo para ampliar exploração fóssil, enquanto país fala em transição energética
  • Decisão do Ibama pode vir a ser alvo de ações judiciais por parte de organizações civis

Ambientalistas e servidores do governo Lula (PT) que atuam nesta área reagiram com fortes críticas à decisão do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), que emitiu licença de operação para que a Petrobras inicie a perfuração de um bloco de petróleo na bacia sedimentar da Foz do Amazonas.

A Petrobras afirmou nesta segunda-feira (20) que obteve licença para a perfuração do primeiro poço em águas profundas na bacia, projeto que vinha sendo alvo de embate entre as áreas ambiental e energética do governo.

Na avaliação de especialistas ambientais, a decisão tomada a apenas 20 dias da COP30, em Belém, pode manchar a reputação ambiental do Brasil, ao buscar a expansão da exploração petrolífera enquanto fala de transição energética. A conferência do clima da ONU na capital do Pará será realizada de 10 a 21 de novembro.

“A licença para a perfuração do bloco 59 na bacia sedimentar da Foz do Amazonas traz graves prejuízos sob duas perspectivas. É uma sabotagem à agenda climática, uma vez que essa licença está sendo compreendida pela Petrobras como a pioneira de um conjunto de outras licenças na Foz e em toda a margem equatorial. E é uma sabotagem à liderança do Brasil na COP30”, disse Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima.

Na avaliação de Araújo, que já foi presidente do Ibama, a decisão deve ser alvo de questionamentos na Justiça Federal. Organizações da sociedade civil preparam uma ação civil pública que alegará inconsistências no processo de licenciamento.

“Como nossos negociadores terão legitimidade para falar que um tema como a eliminação gradual dos combustíveis fósseis deve ser pautado na COP30? O preço do aluguel apressado de uma sonda parece estar importando mais para o governo do que a crise climática. A sociedade civil tomará medidas judiciais contra essa licença absurda”, afirmou.

Já a Ascema Nacional, associação que reúne servidores da área ambiental do governo federal, inclusive do Ibama, criticou a “insistência em modelo atrasado” e “pautado na expansão da exploração de combustíveis fósseis”.

A entidade afirma que respeita a decisão dos analistas ambientais do órgão, que fizeram uma avaliação criteriosa e rigorosa, mas que esbarra nos limites do processo licenciador: que é o aspecto técnico do empreendimento.

“O escopo do licenciamento, da forma como é estruturado hoje, não alcança a análise dos impactos decorrentes do uso final do produto. Ou seja, a avaliação não adentra nas consequências da queima dos combustíveis fósseis que venham a ser extraídos, que é a principal causa do aquecimento global”, afirma a Ascema.

A coordenadora da frente de Oceanos do Greenpeace Brasil, Mariana Andrade, disse que, “às vésperas da COP30, o Brasil se veste de verde no palco internacional, mas se mancha de óleo na própria casa”.

“Enquanto o mundo se volta para a amazônia em busca de soluções para a crise climática, vemos o Ibama conceder licença para que a Petrobras abra um poço de petróleo em pleno coração do planeta”, comentou.

Para a especialista, trata-se de uma situação que expõe a contradição entre o discurso climático do Brasil e o avanço de uma nova fronteira de petróleo no país.

Em um cenário de emergência climática como o atual, diz ela, a abertura de novos poços de petróleo também joga contra os compromissos do próprio país com a transição energética, enquanto reforça padrões excludentes, insustentáveis e ambientalmente predatórios.

“Não há transição energética possível quando o alicerce é destruição. A decisão de abrir uma nova fronteira exploratória na Foz do Amazonas revela uma lógica de lucro que perpetua desigualdades. A Petrobras tem condições de direcionar seus esforços para uma estratégia verdadeiramente voltada à descarbonização e de contribuir de forma coerente com compromissos climáticos assumidos pelo Brasil”, afirmou.

O cientista Carlos Nobre, copresidente do Painel Científico para a Amazônia, afirmou que é urgente reduzir as emissões de gases do efeito estufa. “Não há nenhuma justificativa para qualquer nova exploração de petróleo”, declarou.

Natalie Unterstell, presidente do think tank Instituto Talanoa, comparou a operação da usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, à perfuração na Foz do Amazonas. “Será um processo tão traumático quanto Belo Monte. Não é só mais uma licença, vai suscitar uma discussão muito forte na sociedade brasileira”, afirmou.

Em nota, o instituto disse que a aposta em expandir a exploração fóssil coloca o país na contramão dos compromissos assumidos no Acordo de Paris e das expectativas globais de superação da dependência do petróleo.

“A decisão também contrasta com as evidências apresentadas pela Agência Internacional de Energia (IEA), que, desde o relatório Net Zero by 2050, afirma que não há necessidade de abrir novos campos de petróleo ou gás em um cenário compatível com o limite de 1,5 °C [de aquecimento global]”, afirmou.

“A decisão de liberar a exploração de petróleo na Foz do Amazonas é um retrocesso para o país e uma ameaça direta a uma das regiões mais biodiversas do planeta”, disse Ricardo Fujii, especialista em conservação da WWF Brasil.

Ilan Zugman, diretor da ONG 350.org para a América Latina e Caribe, afirmou que a autorização é um erro histórico e uma insistência em um modelo que não deu certo, segundo ele. “A história do petróleo no Brasil mostra isso com clareza: muito lucro para poucos, e desigualdade, destruição e violência para as populações locais.”

“O país precisa assumir uma liderança climática real e romper com esse ciclo de exploração que nos trouxe até a crise atual. É urgente construir um plano de transição energética justa, baseado em renováveis, que respeite os povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos, e que garanta a eles o papel de protagonistas nas decisões sobre clima e energia, inclusive na COP30”, disse.

Juliano Bueno de Araújo, diretor do Instituto Internacional Arayara e conselheiro do Fórum Nacional de Transição Energética, afirmou que a decisão “lança profundas dúvidas sobre o futuro climático e ambiental brasileiro”.

“Isso demonstra nitidamente o verdadeiro compromisso do governo com a indústria petroleira e que vira as costas para a proteção ambiental, a descarbonização do Brasil e um modelo sustentável. O canto da sereia dos fósseis, o lobby e os interesses políticos superaram a razão e a ciência ambiental e climática. A conta desta decisão infelizmente fica para esta geração e futuras”, comentou.

A Petrobras emitiu nota sobre o assunto, ressaltando que se trata de uma pesquisa de exploração. “Por meio desta pesquisa exploratória, a companhia busca obter mais informações geológicas e avaliar se há petróleo e gás na área em escala econômica. Não há produção de petróleo nessa fase”, afirmou.

O processo de licenciamento desse poço levou quase cinco anos, com diversos embates dentro do próprio governo. O bloco exploratório 59 da bacia Foz do Amazonas, onde o poço será perfurado, foi leiloado pelo governo em 2013.

Como mostrou a Folha, a petroleira informou que desembolsou um total de R$ 46,728 milhões nos projetos ambientais realizados para reduzir os impactos da operação, o que inclui desde embarcações para monitoramento até plano de emergência para salvamento de animais.

O valor total da atividade de perfuração, excluindo esses custos ambientais e gastos com seguro, foi estimado em R$ 792,6 milhões. Neste preço estão a contratação da sonda marítima de perfuração, além de sua operação, locação e equipe técnica. Os gastos também se referem a serviços logísticos e de apoio no mar, como embarcações de suprimento, transporte de pessoal e materiais e infraestrutura na base portuária.

Na prática, portanto, os R$ 46,728 milhões de custos ambientais equivalem a 6% do valor total que será gasto pela Petrobras para realizar sua pesquisa no poço Morpho, nome dado ao local que será perfurado no bloco FZA-M-59, na bacia Foz do Amazonas.

Paralelamente, o Ibama fixou em 0,5% o percentual a ser aplicado sobre o valor total do projeto, para cálculo da compensação ambiental que deverá ser paga pela Petrobras.

Os gastos apresentados pela petroleira englobam as despesas diretamente relacionadas à perfuração do poço exploratório para pesquisa, mas não os custos ligados a uma eventual exploração comercial futura. A sondagem da área será feita em águas profundas, a cerca de 2.883 metros de lâmina d’água, a 175 km da costa do Amapá (Folha)

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