Efeito de guerras comerciais pode ser menor que em 2018 porque Brasil atualmente produz e exporta mais grãos.
Uma nova “guerra comercial” entre China e Estados Unidos em um segundo mandato Trump, caso Pequim venha impor tarifas retaliatórias a produtos dos EUA, poderia novamente trazer ganhos para o agronegócio do Brasil, embora dessa vez os efeitos possam ser menos intensos do que na disputa sino-americana de 2018, segundo especialistas.
Isso aconteceria porque, desde a disputa comercial no primeiro mandato de Donald Trump, as exportações de produtos como soja, algodão, milho e carnes do Brasil para a China subiram fortemente, já ocupando em alguns casos parte dos espaços que antes eram dos EUA, que reduziram sua fatia.
No caso da soja —principal produto de exportação do Brasil—, a China já origina em lavouras brasileiras quase 75% de toda oleaginosa que ela compra, enquanto o apetite chinês já não anda tão voraz como no passado, ponderaram especialistas.
Contudo, ainda que Trump só volte a ocupar a Casa Branca em janeiro, sua eleição e a promessa de impor tarifa de 60% sobre produtos chineses fizeram disparar em uma primeira reação os prêmios da soja nos portos brasileiros nesta quarta-feira (6/11), e a alta dos diferenciais continuava nesta quinta (7).
Isso sinaliza um valor mais alto para a soja do Brasil em relação ao mercado de referência da bolsa de Chicago, diante da expectativa de migração da demanda chinesa ao Brasil em caso de tarifas.
“Não há motivo para o preço no Brasil ceder porque nos EUA está cedendo, a forma de equilibrar isso é pelos prêmios de exportação. Se a demanda se deslocar para o Brasil, teríamos que subir os preços”, explicou Lucílio Alves, professor da Esalq/USP e pesquisador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea).
Segundo ele, numa dificuldade de exportação de soja dos EUA para a China, “os preços lá poderiam cair”, mas a demanda chinesa se deslocaria para o Brasil, o que explica esses prêmios mais altos para embarques futuros.
O Brasil já era o maior exportador de soja na época da “guerra comercial”, mas suas exportações ganharam impulso, assim como as de algodão e carnes, também beneficiadas pelas tarifas chinesas aos produtos dos EUA, em 2018. Naquela época, o Brasil não exportava milho à China, que passou a ser o maior destino do cereal brasileiro após um acordo em 2022.
“Se a China deixar de comprar deles, melhora ainda mais para nós”, disse Alves, citando o milho e as carnes também como eventuais ganhadores.
GANHO MENOR?
No caso da soja, o ganho poderia ser menor, já que os brasileiros elevaram sua fatia nas importações chinesas em 20 pontos percentuais para 74%, no período de 2017 a 2023, enquanto os EUA reduziram sua participação, segundo dados citados pela consultoria Biond Agro.
“O problema é que a comparação com 2018… é ingrata, porque aumentamos demais a produção e a exportação em cinco anos”, opinou o analista da consultoria AgRural Fernando Muraro, acrescentando que o Brasil aumentou a área plantada desde então, enquanto a China agora demonstra sinais de uma certa estagnação no consumo.
Isso poderia explicar por que não se espera um ganho tão forte para a soja como o Brasil teve na guerra comercial anterior.
No ano passado, as exportações de soja do Brasil à China somaram 74,5 milhões de toneladas e renderam quase US$ 40 bilhões, versus 53,8 milhões de toneladas e US$ 20,3 bilhões, respectivamente, em 2017, antes da “guerra comercial”, segundo dados o governo brasileiro.
No caso do algodão, saltaram quase dez vezes no mesmo período, para quase 800 mil toneladas. Na carne bovina do Brasil aos chineses, o aumento foi de mais de cinco vezes entre 2017 e 2023, para 1,2 milhão de toneladas. Os embarques de carne de frango e suína também tiveram altas expressivas.
FATOR DÓLAR
Mesmo que o mercado chinês já esteja inundado de soja do Brasil, destacou Muraro, da AgRural, os prêmios portuários dispararam desde a véspera.
Para embarques em fevereiro de 2025, saíram de 85 centavos de dólar na terça-feira (5) para 105 centavos de dólar sobre Chicago na quarta-feira (6). Para abril, subiram de 35 para 60 centavos de dólar.
“A palavra dele [Trump] foi tarifação, então para a gente [brasileiros] isso é bom”, acrescentou Muraro, destacando que será preciso acompanhar os movimentos do dólar frente a uma cesta de moedas e seu impacto nas bolsas de commodities —na véspera, o câmbio interferiu nesses mercados.
As políticas econômicas de Trump, conhecidas por seu foco protecionista, na redução de impostos locais e em medidas que incentivam o crescimento da economia norte-americana, como aumento nos gastos públicos e desregulamentação, deverão fazer com que o dólar se fortaleça globalmente, impactando a demanda por commodities denominadas na moeda norte-americana.
Para o líder de inteligência e estratégia da consultoria Biond Agro, Felipe Jordy, os prêmios portuários compensariam apenas uma parte menor dessa esperada queda na soja na bolsa de Chicago porque o mercado global está bem abastecido.
“Tem muita soja no mundo, consequentemente não precisa pagar prêmio muito alto”, explicou.
O especialista da Biond comentou que um dólar mais forte também incrementa o custo de importação dos insumos, principalmente os fertilizantes, os quais o Brasil importa mais de 85% de suas necessidades, trazendo desafios para a agricultura nacional.
Para ele, a política de “America First” defendida por Trump sugere uma preferência por acordos bilaterais, o que pode dificultar o acesso dos produtos agrícolas brasileiros ao mercado norte-americano, sugerindo atenção principalmente às proteínas —os EUA são, atualmente, segundo importador de carne bovina do Brasil, atrás da China (Reuters)