Agro pede a ministério maior participação na elaboração do Plano Clima

Como exemplo da exclusão do setor na elaboração do plano que o Brasil vai apresentar em novembro na COP-29, no Azerbaijão, signatários do texto ao Ministério do Meio Ambiente citam que medidas de remoção de gases do efeito estufa são ignoradas em inventário.

Em carta endereçada à Secretaria Nacional de Mudança do Clima, do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, representantes do setor agropecuário pedem à secretária, Ana Toni, uma maior participação nas discussões do Plano Clima 2024-2025, em elaboração pelo governo federal. Tendo em vista a extrema dependência da atividade agropecuária em relação ao clima, ressaltam os signatários, “o setor é perdedor pelo que ocorre (na atual crise climática)”. “Reforçamos, por isso, a relevância de estarmos envolvidos nas discussões para construir possíveis soluções”, dizem os signatários da carta, que reiteram a “disposição de atuar em conjunto” e dão várias sugestões. O Plano Clima será apresentado pelo governo brasileiro em novembro, durante a 29ª Conferência do Clima (COP-29), no Azerbaijão.

Um dos pontos levantados é que “não está claro”, no Plano Clima, a contribuição do setor agropecuário para atingir as metas a serem estipuladas na nova Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês).

Para o setor, um dos pontos relevantes é que, em vez de se ampliarem os compromissos do setor agropecuário em termos de reduções de emissões, se deveria avançar em estratégias e propostas para o fortalecimento da agenda de adaptação. “Atualmente tal agenda está totalmente defasada, vide, por exemplo, os escassos recursos para o seguro rural”, assinala.

Outro ponto importante parasa. Um exemplo, cita o setor, é que, nos últimos dez anos de Plano ABC (de agricultura de baixo carbono), a adoção de tecnologias sustentáveis, fomentadas por “essa importante política pública”, ainda não foi contabilizada no inventário.

“Portanto, caso não haja uma agenda de aprimoramento na contabilização das emissões e remoções do setor agro no inventário, as próprias metas que estão sendo construídas pelo Plano Clima não serão corretamente contabilizadas”, alerta a carta, lembrando do peso do setor agropecuário brasileiro tanto aqui quanto no mundo, “responsável por abastecer 212 milhões de pessoas no País e ainda exportar alimentos”. Este papel “exige uma contabilidade adequada”, reforçam.

Os signatários lembram que o setor agropecuário, além de contar com baixos índices de emissões de gases do efeito estufa, ainda possui a capacidade de “remover carbono”. E, além disso, que a redução das emissões na produção agropecuária “é relevante no caso doméstico, mas não é o principal ofensor em nível internacional”. “Não podemos perder de vista os combustíveis fósseis como o principal desafio a ser combatido.”

Nesse sentido, a carta cita o trabalho conduzido pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que pretende construir as curvas de descarbonização. Para o setor, se a contabilidade do setor agropecuário não for aprimorada rapidamente “não terá condições de representar a realidade”.

Remoção de florestas plantadas

“Nos chama a atenção, por exemplo, que o Plano Clima, por meio do modelo Blues, da UFRJ, não está considerando as remoções de florestas plantadas (apenas de florestas nativas)”, assinalam. “Este ponto deve ser mais bem debatido e inserido na modelagem, pois o próprio inventário nacional e o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) consideram estas remoções.”

Para o setor agropecuário, é mais importante, neste momento, a efetiva implementação das atuais metas de redução das emissões, e não a ampliação dessas metas.

“Entendemos como relevante fortalecer a agenda doméstica de atingimento de tais metas, em vez de estabelecer novas metas internacionais que não estejam ligadas às legislações ou a compromissos já estabelecidos pela política doméstica.” Por isso, há um pedido de “cautela” na definição de novas metas. “Uma estratégia deveria ser ampliar a ambição em investimentos no âmbito da adaptação em vez de somente mitigação”, sugerem. “Esta, sim, seria uma agenda de interesse estratégico doméstico e do Sul Global e uma grande oportunidade a ser liderada pelo Brasil.”

Impasse no desmatamento legal

Embora reforcem a disposição em colaborar com o Plano Clima, os signatários observam que, pós-compromissos assumidos na COP-28, em Dubai, o setor “ainda não conseguiu entender” como o País pretende cumprir o fim do desmatamento legal, “quando nem sequer o ilegal está equacionado”. Além disso, a meta de redução do desmatamento legal no Brasil “confronta diretamente o Código Florestal e gera enorme resistência do setor agropecuário em apoiar as estratégias no âmbito do Plano Clima”.

“Escutamos que existirão compensações ou indenizações quanto à redução do desmatamento legal, mas ainda não está clara a estratégia”, dizem. “Precisamos compreender como isso será realizado.” Além disso, reforçam que o foco, atualmente, precisa ser no desmatamento ilegal. “Estamos aqui para auxiliar no que for possível o enfrentamento do ilegal, que melhorou, mas está longe do essencialmente necessário.”

“O setor agro será o principal afetado pelas metas a serem estipuladas pelo Plano Clima”, continua a carta. “Caso não esteja engajado na agenda, dificilmente ela terá sucesso no longo prazo”, alerta. “Nos colocamos nesse contexto para garantir que as estratégias que estão sendo construídas sejam um plano de Estado e não somente um plano de Governo.”

Morosidade do Código Florestal

Há preocupação também com a morosidade da implementação do Código Florestal no País, com uma nova judicialização da lei ambiental no Superior Tribunal de Justiça (STJ) em relação a biomas. “Tal contexto põe em xeque nossa capacidade, como País, de integrar a produção agropecuária à conservação ambiental e este é mais um exemplo de que nossos principais desafios são implementar os compromissos domésticos antes de criar novas metas internacionais.”

A carta finaliza alertando que a participação do Brasil no contexto global de combate às mudanças climáticas, com a redução do desmatamento e com a ampliação da restauração florestal, “são de suma importância”.

“Mas não podemos punir o Brasil com compromissos inalcançáveis que somente nos prejudicarão num futuro próximo, afetando a reputação do País, bem como de importantes setores da estrutura socioeconômica do nosso Brasil”, diz. “Neste sentido, entendemos que o momento é de cautela na ampliação de ambições no que tange à mitigação em nível internacional, ao passo que deve ser prioritário solucionar os compromissos e políticas públicas domésticas para assegurar que o Brasil tenha condição de ser um exemplo na transição para uma economia de base renovável e nos colocamos à disposição para aprofundar essa discussão.”

Quem assina a carta

Aline Locks, da Produzindo Certo; André Nassar, da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove); André Schwening, do Grupo Associado de Pesquisa do Oeste Goiano (Gapes); Cristiano Rodrigues, do AgroSB; Fabiana Alves, do Rabobank; Fernando Sampaio, da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec); João Adrien, da Sociedade Rural Brasileira (SRB); José Carlos Fonseca, da Associação Brasileira das Embalagens em Papel (Empapel); Luis Roberto Barcelos, da Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas); Marcello Brito, do Centro Global Agroambiental do FDC; Paulo Hartung, do Ibá; Pedro Camargo Neto, pecuarista e Sergio Bortolozzo, da Sociedade Rural Brasileira (SRB) (Estadão)

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