Fontes do setor, como etanol, biomassa e biogás, são responsáveis por 60% da energia renovável produzida no País, que também conta com hidrelétrica, eólica e solar.
A participação do agronegócio na matriz energética brasileira já representa quase um terço de toda a energia ofertada no País. Segundo estudo do Observatório de Bioeconomia da Fundação Getulio Vargas (FGV), divulgado em maio com base no Balanço Energético Nacional (BEN), recursos oriundos de atividades agropecuárias foram responsáveis por 29,1% da energia usada no Brasil em 2023. Entre as principais fontes estão a biomassa da cana-de-açúcar, o etanol e o biodiesel.
Quando considerada apenas a parcela renovável da matriz — energia gerada a partir de recursos naturais que se regeneram continuamente —, o percentual de participação do agro sobe para 60%. Os outros 40% são preenchidos pelas fontes de energia hidrelétrica (24,02%), eólica (5,24%), solar (3,46%%), lenha de vegetação natural (6,98%) e biogás proveniente de resíduos não agrícolas como o lixo doméstico (0,22%).
Esse protagonismo do agro tem sido impulsionado por iniciativas que ampliam e diversificam as fontes de geração. Em Fortaleza, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a Universidade Federal do Ceará (UFC) criaram um sistema para transformar em biogás frutas e verduras que seriam descartadas.
Em Santiago (RS), está sendo construída a primeira usina de etanol de trigo do País, com capacidade para processar cem toneladas do cereal por dia e produzir até 12 milhões de litros de etanol hidratado por ano.
Paralelamente, uma empresa brasileira, com apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), da Universidade Estadual de Maringá (PR) e investimentos de um ministério da Alemanha, planeja inaugurar, em 2026, uma planta-piloto para gerar 100 mil litros por ano de combustível sustentável de aviação (SAF), a partir de resíduos orgânicos — principalmente do setor sucroenergético. A meta é atingir, nos próximos anos, volume entre 40 milhões e 80 milhões de litros anuais.
Desde o início da década de 1970, período que antecedeu o lançamento do Proálcool, a trajetória da bioenergia gerada pelo agro tem sido de ascensão contínua: passou de 6,5 milhões de toneladas equivalentes de petróleo (TEP) – unidade usada para comparar diferentes fontes de energia com base no poder calorífico do petróleo — para mais de 91 milhões em 2023. De acordo com Luciano Rodrigues, um dos autores da pesquisa, isso contribui para que o Brasil tenha uma das matrizes energéticas mais renováveis do mundo.
Conforme o estudo, a lenha e o carvão vegetal respondiam, no início dos anos 1970, por 40% da energia proveniente da agropecuária. Esse perfil começou a mudar justamente com o Proálcool, que promoveu um avanço expressivo da cana-de-açúcar.
Entre 1988 e 2003, porém, o mercado canavieiro foi impactado por uma crise no setor de etanol, enquanto a oferta de lixívia (resíduo da indústria de papel e celulose) passou de 1,2 milhão para 3,7 milhões de TEP.
A partir de 2003, a energia canavieira voltou a crescer, graças aos veículos flex e à bioeletricidade gerada com o bagaço — atualmente, a biomassa da cana já corresponde a 48% da energia fornecida por petróleo e derivados no Brasil. Lixívia, lenha e carvão vegetal também cresceram.
“Os números surpreenderam. Eu tinha ideia da importância da bioenergia do agro, mas não com esses resultados. Se tirarmos essa bioenergia da matriz energética, o percentual de energias renováveis no Brasil cai para 20%, próximo da média mundial”, afirma Rodrigues.
Para o pesquisador, as condições da agropecuária nacional, como disponibilidade de área, clima favorável, solo fértil e tecnologia adaptada à agricultura tropical, serão determinantes para que esse desempenho seja ainda maior nos próximos anos. “O mundo está procurando soluções para reduzir poluentes. Nós não vamos ter a bala de prata, mas podemos oferecer diversas opções.”
Projeções
Outro estudo, feito pela Imma, organização especializada no desenvolvimento de metodologias para análise de cenários futuros, a pedido da consultoria Treesales e apresentado na Fenasucro & Agrocana, maior feira mundial de bioenergia, realizada em Sertãozinho (SP), em agosto, apontou que os potenciais do segmento estão amparados em três eixos.
O primeiro é o da biotecnologia, com avanços previstos para o etanol de milho, o etanol de segunda geração da cana — que pode adicionar 40 bilhões de litros à produção brasileira sem necessidade de expandir área —, o SAF, com o Brasil sendo capaz de assumir 25% do mercado mundial até 2030, além do hidrogênio verde.
O segundo eixo é a digitalização das operações, que permitiria reduzir os custos de produção em 30% e aumentar a produtividade em 20%, também até 2030. O terceiro é a capacidade demonstrada pelo setor para se tornar carbono negativo no mesmo período, sequestrando 50 milhões de toneladas de CO₂ anuais por meio de práticas regenerativas.
“Com isso, há 65% de chances de que, até lá, o Brasil esteja posicionado como líder global em bioeconomia, com uma produção bastante diversificada”, afirma Luciano Fernandes, CEO da Treesales. Como principais desafios, ele cita a defesa de políticas públicas e de uma legislação capazes de estimular a bioenergia.
A Geo bio gas&carbon vai investir R$ 20 milhões na construção de uma planta-piloto para produção de SAF a partir de resíduos do setor sucroenergético e outros materiais orgânicos. Prevista para operar como anexo de uma das unidades da empresa, a planta deverá entregar combustível de aviação com pelo menos 50% menos emissões de gases do efeito estufa. O projeto se alinha ao PL do Combustível do Futuro, que prevê redução obrigatória nas emissões do setor aéreo a partir de 2027.
Outros empreendimentos também apontam para a diversificação das fontes. A primeira usina de etanol de trigo, em implantação em Santiago (RS), pela CB Bioenergia, conta com investimentos de R$ 100 milhões. A produção inicial, de 12 milhões de litros por ano, deverá se expandir para 45 a 50 milhões de litros até 2027, exigindo novos aportes de R$ 500 milhões. A empresa informou que está em fase final de comissionamento para logo começar as operações.
O que já está em operação é o sistema desenvolvido pela Embrapa e pela Universidade Federal do Ceará, que transforma frutas e verduras impróprias para consumo em biogás. Testado por cinco anos em parceria com a Ceasa de Fortaleza, que descarta de 17 a 25 toneladas de alimentos por dia, o modelo usa reatores anaeróbicos e gera de 40 a 60 litros de biogás por quilo de matéria-prima, segundo o pesquisador Renato Leitão (Estadão)