Agricultura regenerativa avança na cafeicultura de olho em preço e clima

  • Adoção de práticas inclui manejo de água, proteção do solo e adoção de bioinsumos
  • Programa da Nestlé cresce para atender aumento na produção de café solúvel

Em uma das “ruas” que separam os pés de café da fazenda Ponta da Serra, em Capetinga, no sul de Minas Gerais, começam a despontar árvores de ingá. A frutífera não está ali por acidente. Seu fruto atrai um inseto chamado bicho-lixeiro que, por sua vez, se alimenta de duas pragas comuns nos cafezais, o bicho-mineiro e a broca.

O plantio do ingá integra uma série de práticas adotadas desde 2019 pela família Mambrini na gestão de seus 330 hectares dedicados ao café e à agricultura regenerativa. A primeira dessas práticas, conta Tulio Mambrini, que administra a propriedade com as irmãs Carla e Natália, foi o plantio do chamado mix de cobertura, uma mistura de espécies que protege o solo e afasta plantas invasoras.

“Naquele momento, a finalidade específica não foi a agricultura regenerativa, foi erradicar o capim amargoso”, diz. Outros benefícios foram sendo percebidos: o solo fica mais aerado e menos compactado, a infiltração de água melhor e microrganismos bons para o solo se desenvolvem.

Desde então, a família investiu em outras práticas. A casca do café é compostada e vira biofertilizante. Outras espécies, como eucalipto, também estão sendo plantadas para funcionar como quebra-vento.

A secagem dos grãos, que no modelo tradicional leva até 15 dias em terreiro a céu aberto, agora é feita em dois dias em uma moderna estrutura com sistema fechado de ar quente que mantém o café protegido de sol, chuva e de furtos.

Com o café batendo recorde de preço no último ano, furtos nos terreiros e mesmo da planta no pé passaram a ser comuns. Com o novo sistema, esse risco quase some.

Os ganhos diretos com a adoção das práticas ainda estão sendo calculados pelos Mambrini, uma vez que ao mesmo tempo que mudavam o jeito de cuidar da terra, aumentavam a área plantada. O cultivo de café tem peculiaridades, como a produtividade maior em áreas mais maduras –a produção plena só começa a partir de três anos.

Uma redução de custo perceptível, segundo Tulio, foi com os fertilizantes. Já a produtividade nas áreas maduras da Ponta da Serra é de 30 sacas por hectare, ficando entre 10% e 15% superior à média nacional. A agricultura regenerativa também dá acesso a prêmios de plantio (um valor a mais pago a quem tem certificações) e a grandes empresas, como a multinacional Nestlé.

As fazendas dos irmãos Mambrini entraram há quase um ano no Nescafé Plan, da gigante alimentícia, que fornece assistência e produz pilotos de transição para a agricultura regenerativa a produtores que fornecem o café usado em seus solúveis.

A Nestlé não detalha os números de propriedades no programa, mas Bárbara Velo, gerente de ESG para cafés na companhia, diz que o aumento do último ano, com a incorporação de mais de mil de uma vez, é inédito. Em 2022, eram 1.200 produtores. Hoje são 3.600.

A expansão do programa deve atender duas demandas da companhia de alimentos. De um lado, atende o aumento de 10% na produção de café solúvel na fábrica de Araras (SP), no interior de São Paulo, previsto para os próximos dois anos e meio, até 2028.

O polo industrial, o primeiro da Nestlé no Brasil, receberá R$ 1 bilhão para modernizar e ampliar a fabricação de café solúvel. Uma dessas inovações, segundo Fábio Kuhn, diretor da fábrica de Araras, incluirá a captação do vapor de água gerado no processo de secagem do café. Hoje expelido por uma chaminé, ele deverá virar energia.

Em outra frente, garante ao Brasil a dianteira no cumprimento de metas de redução na emissão de gases de efeito estufa. Mundialmente, o plano da gigante dos alimentos é zerar suas emissões até 2050. Parte desse plano vem das matérias-primas principais da companhia, leite, cacau e café.

Nas três cadeias, a companhia anunciou ter batido 41% de matérias-primas provenientes de propriedades com ao menos uma prática regenerativa. A meta para 2025 era bater 30%.

Hoje, segundo Velo, todos os fornecedores de café têm ao menos uma prática regenerativa, mas a maioria, 76%, é considerado avançado, ou seja, aplica mais de uma abordagem no manejo da água, dos fertilizantes e do cumprimento das leis trabalhistas.

No sul de Minas Gerais, onde estão os Mambrini, a produção de café é quase 100% do tipo arábica, cultura de produtividade menor do que o conilon ou robusta, tipo de planta predominante no Espírito Santo.

Apesar do conilon ser frequentemente associado à produção do café solúvel instantâneo, a Nestlé tem também produtos 100% arábica –a empresa não abre suas receitas, nem a proporção de produtores de cada tipo de grão incluídos no programa.

No Espírito Santo, o manejo da água tem recebido mais atenção. Enquanto no plantio de arábica apenas 20% é irrigado, no conilon, o percentual passa de 90%. Rodolfo Clímaco, gerente de agricultura da Nestlé, diz que a adoção de práticas regenerativas varia de acordo com a propriedade, o tipo de grão e a região.

Na região do conilon, a equipe do programa está com um piloto de irrigação e controle do uso da água em ao menos 20 propriedades. A ideia é sempre demonstrar e testar os benefícios do modelo em uma área controlada para depois escalar a inovação.

A adoção das práticas da agricultura regenerativa funciona também no enfrentamento a mudanças climáticas, como a instabilidade das chuvas e as secas prolongadas.

Eduardo Trevisan, diretor de cadeias agropecuárias do Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola), diz que a cultura do café tem sido protagonista de práticas sustentáveis de plantio.

“O café é um cultivo que tem pouquíssima transformação. Você colhe, faz um beneficiamento na fazenda, seca, torra e vende para o consumidor o café torrado e moído, é diferente de outros produtos, como soja ou açúcar. Ele fala muito bem com o consumidor.” (Folha)

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