A voz dos produtores rurais em Washington

Por João Martins da Silva Junior

A investigação com base na Seção 301 da Lei de Comércio dos EUA abre ao menos um canal real de diálogo sobre nossas relações comerciais e econômicas

Como é do conhecimento de todos, o Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos, com base na Seção 301 da sua Lei de Comércio e Tarifas de 1974, abriu investigação sobre supostas práticas comerciais do Brasil que estariam restringindo injustamente as exportações norte-americanas para o nosso país. O escopo da investigação é muito abrangente: inclui, além de questões relacionadas ao agro, temas como comércio digital e serviços de pagamentos eletrônicos, fiscalização anticorrupção e proteção da propriedade intelectual.

Diretamente relacionada ao agro e a sua atuação no exterior, a investigação vai examinar tarifas supostamente injustas que o Brasil aplicaria às exportações norte-americanas e tratamento preferencial que supostamente o País concederia a certos parceiros comerciais. O documento que abre a investigação também alega que nosso país não está cumprindo compromissos legais com o desmatamento, criando vantagens competitivas ilícitas à nossa produção de madeiras e de produtos agrícolas. Finalmente, a investigação pretende fazer crer que o Brasil dá um tratamento injusto e discriminatório às exportações de etanol americano.

A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) estará na audiência pública, em Washington (EUA), que marca a abertura da investigação, juntamente com outras organizações do setor privado, para contestar as alegações contra o comércio dos produtos agropecuários brasileiros. Vamos recordar aos nossos sócios norte-americanos que o Brasil não concede tarifas preferenciais a quaisquer parceiros, salvo no caso dos países com os quais temos acordo comercial, como o Mercosul, conforme é permitido pela “cláusula de habilitação”, negociada no Gatt, em 1979, com o apoio do governo norte-americano, e hoje incorporada na Organização Mundial do Comércio (OMC). Os Estados Unidos têm acordo semelhante de preferências com seus vizinhos, e nenhum país do mundo se opõe a isso. Não existe, portanto, de nossa parte um caso sequer de tarifa discriminatória contra os Estados Unidos.

A participação da CNA na audiência pública servirá para lembrar que o Brasil tem legislação de proteção de florestas bastante avançada, sem paralelo no mundo, e que o desmatamento ilegal é combatido com todos os recursos que temos à nossa disposição. Como se sabe, é ilegal a exportação de madeira não certificada e nossa produção agrícola situa-se em áreas consolidadas há muito tempo.

A tarifa que cobramos na importação de etanol aplica-se ao etanol de todas as origens, sem nenhum caso de preferência. Dessa forma, o pedido de redução da tarifa de um único produto não justifica uma guerra comercial e sempre poderá ser objeto de negociação entre as partes.

A politização das relações comerciais não resulta em benefício duradouro nem para as economias nem para as populações. O comprometimento do comércio livre, devidamente normatizado, pode prejudicar a prosperidade e o bem-estar de todos. O Brasil não é o exemplo perfeito de uma economia inteiramente aberta. Há muito tempo lutamos para superar o atraso no desenvolvimento e para dar competitividade aos nossos exportadores. O agronegócio tem dado a sua contribuição neste processo, ao ampliar nossa capacidade de gerar superávits comerciais e de assegurar maiores reservas cambiais para o País.

O Brasil não transgride as normas que regem o comércio internacional. Não adotamos tratamento discriminatório contra qualquer país e sempre nos pautamos pelo princípio universal da nação mais favorecida, ou seja, damos o mesmo tratamento tarifário a todos os países, sempre e quando não tenhamos limitações derivadas de nossos acordos comerciais, negociados de forma livre, honesta e segundo as regras internacionais.

A presente investigação com base na Seção 301 da Lei de Comércio americana, mesmo partindo de suposições que, avaliadas imparcialmente, não se justificariam, abre ao menos um canal real de diálogo sobre nossas relações comerciais e econômicas. Independentemente do fato de que a decisão final será dos norte-americanos e que, conforme seu teor, poderá acarretar novas sanções e represálias contra o Brasil, é a primeira oportunidade que temos até o momento para dialogar e expor nossas razões em todo este processo.

Com esse objetivo, a CNA estará presente na audiência pública, exclusivamente motivada pela defesa dos interesses econômicos dos produtores rurais brasileiros, com base em fatos e em dados técnicos.

O agro brasileiro cresceu e prosperou, contribuindo para a independência econômica do nosso país, não pela proteção dos subsídios nem pela infração das leis, mas sim pelo espírito empresarial, pelo ânimo da inovação, pela adoção de novas tecnologias e pela liberdade econômica.

A demanda de alimentos pelo mundo precisa de agriculturas fortes nos Estados Unidos, no Brasil e em toda parte. O progresso de um não é – nem pode ser – o declínio do outro. O que o mundo deseja é mais alimentos e mais comércio (João Martins da Silva Junior é presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA); Estadão)

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