A resiliência climática da agricultura e a segurança alimentar

Por Mariana Vasconcelos

Por que o Brasil pode e deve liderar essa agenda, atraindo mais vozes e mais cooperação em torno de ideias e propostas de mudanças.

Segurança alimentar e resiliência climática na agricultura está no prato do consumidor

A sete safras de distância de 2030, e ainda temos muito trabalho a fazer em direção ao ODS 2, com foco em acabar com a fome e a insegurança alimentar no mundo Há um tom de urgência na pauta da segurança alimentar que, por mais que seja repetida com certa constância, talvez ainda precise de mais vozes para se fazer ouvida e mais cooperação para ser endereçada.

Durante a reunião do G20 no Brasil, no mês passado, a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), publicou a nova edição relatório sobre o estado da segurança alimentar e nutrição no mundo (The State of Food Security and Nutrition in the World 2024), trazendo números que chamam a atenção. Só no ano passado, pouco mais de 700 milhões de pessoas em todo o mundo vivenciaram condição de fome. Em relação à insegurança alimentar moderada ou grave, cerca de 30% da população global, ou aproximadamente 2,33 bilhões de pessoas, passou por essas condições.

Além disso, o relatório também apontou que, até o final da década, mais de 500 milhões de pessoas estão cronicamente subnutridas. Não são boas notícias, mas é preciso olhar esses números com atenção para, então, podermos agir.

Felizmente, a América Latina vem mostrando evolução nos números, sendo a única região que registrou progresso de 2022 a 2023, finalizando o ano passado com quase 20 milhões de pessoas a menos passando por insegurança alimentar moderada ou grave. E para 2030, a expectativa é que a América Latina e o Caribe reduzirão a fome crônica (apesar de ser em um ritmo mais lento) e a prevalência da subnutrição para menos de 5%.

A fome e a desnutrição são desafios globais que, para serem superados, precisarão de esforços latino-americanos, com destaque para o Brasil. Isso porque, a produção de alimentos da região faz parte de uma cadeia de suprimentos global, sendo responsável por alimentar sua população, como também milhões de pessoas em diversos outros países. E é inegável o papel do Brasil neste contexto, sendo um dos centros globais de produção agropecuária.

Mas, o que falta para melhorar esses números globais e regionais?

Além de fatores estruturais como a desigualdade socioeconômica e as dificuldades de acesso e disponibilidade de alimentos em certas regiões, também contribuem para o cenário desafiador os conflitos geopolíticos, a desaceleração econômica, e os eventos climáticos extremos. Esses elementos tornam a situação ainda mais complicada.

Analisando o recorte do clima, diante das mudanças climáticas, a expectativa é de que ocorram mais ondas de calor, estiagem, chuvas extremas, entre outros fatores que podem comprometer diretamente as lavouras em diversas regiões pelo mundo, inclusive no Brasil. O clima sempre impôs desafios a quem retira da terra o alimento e a matéria-prima para a produção de uma série de outros produtos, como nossas roupas, combustível e cosméticos. Mas essa maior imprevisibilidade e intensidade de eventos extremos pode representar uma barreira totalmente nova.

Por isso, o acesso a financiamento, tecnologia e suporte técnico é crucial para agricultores e pecuaristas, especialmente para pequenos produtores. A tecnologia possibilita métodos mais eficientes e inovadores de manejo das áreas, enquanto o suporte técnico oferece orientação especializada para enfrentar desafios e otimizar práticas agrícolas. No entanto, é necessário financiamento para que os produtores possam acessar tecnologias e adotar novas práticas, como a agricultura de baixo carbono ou regenerativa, que aumentam a resiliência das lavouras diante das mudanças climáticas.

Juntos, esses elementos podem ajudar nossos produtores a aumentar sua produção ou, em momentos de estresse climático, proporcionar maior resiliência, minimizando perdas, fazendo com que o alimento cultivado possa ser colhido, chegando a mesas em todo o mundo.

Fortalecer a agricultura e a pecuária na América Latina, tornando-as mais produtivas, cada vez mais sustentáveis e resilientes ao clima é um dos principais caminhos para o enfrentamento da insegurança alimentar e da fome em todo o mundo.

Mais do que nunca, o Brasil pode e deve liderar essa agenda. E foi possível observar um pouco disso nas reuniões do G20 há algumas semanas, a partir do lançamento da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. O objetivo da Aliança é erradicar a fome e reduzir a pobreza global, focos dos ODS 1 e 2 da Agenda 2030 da ONU.

Contudo, ainda é preciso ampliar a adesão dos países à Aliança e, mais do que isso, ver os compromissos declarados se materializarem em estratégias concretas de financiamento. Afinal, estamos a sete safras de 2030, e sem um fluxo de financiamento condizente, será muito difícil erradicar a fome e aumentar a resiliência dos sistemas agroalimentares. Há caminhos e oportunidades, mas precisamos acelerar essa agenda

(Mariana Vasconcelos é co-fundadora e CEO da Agrosmart, Young Global Leader pelo World Economic Forum, Membro da Comissão de Segurança Alimentar da Fundação Kofi Annan e conselheira consultiva da Thought For Food, Fundação Espaço Eco (BASF) e Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA). Tem formação executiva em negócios pela UNIFEI, Stanford, LSE e Singularity University e está em listas como Forbes Under30; Innovators under 35 pela MIT Technology Review, e Fast Company World’s 100 Most Creative in Business; Forbes)

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