O Conselho Estadual de Meio Ambiente (Coema) acaba de publicar resolução (nº 184, de 23/09/2024) que regulamenta a meliponicultura – atividade de criação de abelhas nativas sem ferrão – no estado do Pará. A legislação orienta sobre o licenciamento ambiental da atividade e sobre os critérios para uso e manejo sustentável das abelhas nativas.
A Embrapa Amazônia Oriental tem participação direta na construção e aprovação da nova resolução, desde o fornecimento de informações técnicas que embasaram o documento, até a capacitação de produtores e fomento do mercado paraense.
A partir de agora, os meliponicultores paraenses estarão regularizados para criar e manejar abelhas sem ferrão, transportar, multiplicar e comercializar colmeias, além de obter produtos e subprodutos das abelhas para comercialização e/ou consumo da família. A licença ambiental para a atividade pode ser requerida junto à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas).
Produtores que possuem até 99 colmeias estão dispensados da licença, mas precisam solicitar o cadastro junto ao órgão de fiscalização agropecuária. Até então, a legislação vigente permitia apenas o número de 49 colmeias, fator limitante para a profissionalização e expansão da atividade. No caso de produtores de maior porte, a nova legislação prevê ainda mais facilidade nas autorizações para o manejo e criação entre 100 e 199 colmeias.
A meliponicultura é a criação racional de abelhas do gênero Melipona. A atividade promove segurança alimentar, geração de renda, prestação de serviços ambientais e a conservação da biodiversidade e da floresta. No estado do Pará são encontradas 119 espécies de abelhas sociais nativas sem ferrão e isso representa 48% das espécies conhecidas em todo o Brasil.
“A regulamentação impacta positivamente a restauração da floresta. Ao incentivar a produção na meliponicultura, estamos indiretamente promovendo a polinização de florestas e ambientes biodiversos. A aprovação dessa regulamentação foi recebida com grande entusiasmo, pois estamos chamando isso de licenciamento da bioeconomia do mel, incentivando a cadeia bioeconômica da produção de mel de abelhas sem ferrão no estado do Pará”, destaca Rodolpho Zahluth Bastos, secretário-adjunto de Gestão e Regularidade Ambiental da Semas.
A criadora de abelhas Adcleia Pereira Pires, da região do Baixo Amazonas, atua há 11 anos na atividade e acredita que a resolução é um marco na história da meliponicultura. “É um reconhecimento oficial que a meliponicultura existe no Estado e ao mesmo tempo direciona o produtor à sua formalização na cadeia, com garantia de direitos”, afirma.
Para o pesquisador Daniel Santiago, da Embrapa, a regulamentação vem no momento em que a existência dos criadores de abelhas sem ferrão precisa ser reconhecida e a atividade precisa ser impulsionada. “Ao manter a vegetação e enriquecer as áreas no entorno das colmeias, o criador de abelhas atua como salvaguarda da biodiversidade e da segurança alimentar da sua comunidade, e a meliponicultura para a ser uma ferramenta fundamental para restauração e conservação da floresta”, afirma o pesquisador.
Ciência a serviço da meliponicultura paraense
A pesquisa da Embrapa na Amazônia estuda as abelhas nativas sem ferrão desde a década de 90 e já gerou inúmeras informações sobre a atividade, como a descoberta e identificação de espécies, a criação racional em caixas, o manejo de colmeias, informações sobre o serviço de polinização para a agricultura e o impacto da atividade na manutenção da floresta.
Os mais recentes trabalhos mostram que a introdução de colmeias em plantios de açaí pode aumentar de 30% a 70% a produtividade dos açaizeiros, um serviço que pode ser explorado comercialmente pelos meliponicultores, já que a regulamentação orienta quanto ao transporte de colmeias para o fornecimento de serviços ambientais. “Espécies de abelhas nativas sem ferrão são de suma importância para a polinização de açaizeiros, então precisamos transportar colmeias para as fazendas de açaí em determinado período”, exemplifica a meliponicultora Adcleia Pires.
Construção participativa e garantia de direitos
A meliponicultora Adcleia Pereira Pires destaca ainda que o processo de construção da resolução foi participativo e contou com a contribuição de grupos de meliponicultores do Baixo Amazonas, de representantes de instituições públicas, entidades e outros interessados. “Ao ler o documento que regulamenta a atividade foi possível ver nossas falas e relatos”, afirma.
O pesquisador Daniel Santiago explica que as informações técnicas, conceitos e orientações em torno da atividade presentes na regulamentação foram construídas a partir das atividades de pesquisa, capacitações em campo e ações junto a agricultores e agricultoras no campo.
“Desde 2016 estamos atuando mais diretamente para o fortalecimento dos atores dessa cadeia produtiva por meio de cursos de capacitação e levantamento de demandas. Nossa atuação também envolveu os poderes legislativo e executivo do Estado com informações técnicas a fim de conseguir o reconhecimento oficial da atividade no Pará. Nesse processo, é preciso destacar o apoio de projetos como o Agrobio, financiado pelo Fundo Amazônia; o Bioeconomia Brasil, com recursos do, na época, Ministério do Desenvolvimento Agrário; e mais recentemente o Bem Diverso Sustenta e Inova, financiado pela União Europeia”, lembra o pesquisador Daniel Santiago.
Para Selma Santos, assessora da Secretaria Adjunta de Gestão e Regularidade Ambiental da Semas, disciplinar o licenciamento para a atividade abre espaço legalizar ambientalmente a cadeia produtiva de agricultoras, agricultores e comunidades periurbanas e rurais que desenvolvem práticas intergeracionais de manejo de abelhas nativas. “A regularidade ambiental, além de garantir os serviços ambientais da conservação das abelhas, valoriza saberes das práticas artesanais, fortalece o acesso a financiamentos, programas de incentivo e certificações, potencializando a expansão de mercados com geração de valor agregado aos produtos da meliponicultura”, conclui.