Editorial O Estado de S.Paulo
Espera-se que a COP-30, que começa hoje, ratifique o que já foi exaustivamente negociado. Mas a ausência de Trump, Xi e até do papa mostra que será difícil alcançar consensos relevantes
A COP-30 começa em Belém sob o lema da “implementação”. “Não é mais hora de negociar, é hora de implementar, implementar, implementar”, conclamou o secretário-geral da ONU, António Guterres. O anfitrião Luiz Inácio Lula da Silva ecoou o apelo: “Chega de discussão, agora tem que implementar o que já discutimos”.
Mas o cenário contradiz o slogan. A ausência de líderes como o americano Donald Trump, o chinês Xi Jinping e até do papa simboliza um esvaziamento político. A conferência que promete inaugurar uma “nova era” pode acabar como tantas outras: a da boa vontade sem entrega – um ritual fatigado de esperanças, cobranças e frustrações.
Trinta anos e vinte e nove COPs depois, o roteiro se repete: metas grandiosas, retórica apocalíptica e perspectivas modestas. Apesar de retórica do “fim de papo”, ainda há muito a negociar. Guterres quer mobilizar US$ 1,3 trilhão anuais em financiamento climático até 2035 – uma soma que ninguém sabe de onde virá e para onde irá.
Enquanto isso, as potências priorizam segurança energética e crescimento econômico. A fé na governança global cede lugar à competição por gás, petróleo e minerais críticos. A liturgia das COPs tornou-se previsível: indignação no púlpito, hesitação na prática – e um abismo crescente entre os ideais e a realidade.
A transição energética é incontornável, mas pode ser brutalmente desigual e custosa. Segundo projeções da OCDE, no cenário de transição acelerada a descarbonização consumiria cerca de 8% do PIB global até 2050, tornando os países pobres três vezes mais pobres que os ricos – a menos que políticas inteligentes e novas tecnologias compensem esse custo. O dilema é brutal: a mesma descarbonização que pode salvar o planeta amanhã pode empobrecer a humanidade hoje.
Eleitores, produtores e consumidores resistem, com razão, a políticas que impõem custos inviáveis à energia e corroem o bem-estar em nome de metas abstratas. A energia limpa custa caro, e políticas desastradas elevam tarifas e minam a produtividade. Sustentabilidade não é sacrificar energia e alimento em nome da atmosfera, mas harmonizar os três pilares – segurança energética, alimentar e ambiental – num equilíbrio possível.
Um novo realismo climático emerge, ainda que timidamente. Às vésperas da COP, o empresário Bill Gates pronunciou três verdades simples: o aquecimento global é sério, mas não o fim do mundo; prosperidade e saúde são as melhores defesas contra ele; e a inovação é mais eficaz que a penitência.
As políticas dominantes são míopes – confundem virtude com eficiência. Ao taxar energia e punir o consumo para subsidiar energias verdes ineficazes, a Europa, por exemplo, transformou zelo ambiental em austeridade social. A energia limpa precisa ser acessível antes de ser obrigatória. O futuro verde será obra de engenheiros e empreendedores – não de burocratas penitentes.
Belém é o retrato do desafio global em escala local. O fundo para florestas tropicais, principal entrega brasileira, se bem implementado, pode transformar a floresta em ativo econômico e remunerar quem preserva. O Brasil combina uma matriz energética 50% renovável com recursos fósseis que podem financiar sua própria transição. O petróleo pode ser a ponte para a economia verde – capaz de sustentar pesquisa, inovação e inclusão social.
A Amazônia pode ser o maior laboratório mundial de bioeconomia, biotecnologia e crédito de carbono. Cabe ao País provar que sustentabilidade não é austeridade, mas estratégia de desenvolvimento. Belém, nesse sentido, é mais que sede da COP: é um espelho das contradições e possibilidades do século 21.
A COP começou com o apelo da implementação, mas o mundo segue dividido entre o idealismo climático e a realidade energética. A retórica da urgência contrasta com a inércia dos resultados. Se Belém quiser deixar um legado, deve trocar a culpa pela eficiência e o moralismo pela engenharia. A transição energética é indispensável – mas só será sustentável se for tecnológica, gradual e justa. Do contrário, as COPs continuarão sendo o mais caro ritual de boas intenções do planeta – e a Amazônia, o cenário mais eloquente de um mundo que ainda prefere discursar a agir (Estadão)







