Resultados estão sendo negativamente surpreendentes, com alguns casos de redução de produtividade de até 25%
A São Martinho avalia que a produção de açúcar do Centro-Sul será menor nesta safra 2025/26 do que na temporada passada devido a uma quebra na produtividade dos canaviais e no rendimento industrial da cana, além de uma possível tendência das usinas priorizarem a produção do etanol.
“Acreditamos que os 42 milhões de toneladas previstos [de açúcar] é desafiador, para não dizer improvável”, afirmou Felipe Vicchiato, diretor financeiro São Martinho, durante a teleconferência de resultados da companhia do quarto trimestre de 2024/25.
“Quanto olhamos a forte seca que teve no verão, vemos hoje entre as usinas em média uma quebra de pelo menos 10% na produtividade, com dificuldade de cristalização e de conseguir produzir mais açúcar”, relatou o executivo.
O CEO da empresa, Fábio Venturelli, que também participou dessa teleconferência, relatou que tem circulado entre usinas do Centro-Sul e que, mesmo entre unidades conhecidas por sua alta capacidade produtiva, os resultados estão sendo negativamente surpreendentes, com alguns casos de redução de produtividade de até 25%.
“Tem usinas que enfrentam perda de produtividade de ao menos dois dígitos e perda no ATR [concentração de Açúcares Totais Recuperáveis]. Essa combinação é muito relevante na capacidade de produção de açúcar”, avaliou.
O cenário relatado pelos executivos da companhia vai na contramão de quase todas as projeções de analistas independentes e tradings, que vêm apresentando estimativas de produção no Centro-Sul acima da safra, que foi de 40,2 milhões de toneladas.
As projeções vêm considerando que a produção maior será possível com uma recuperação da produtividade da cana nos dois terços finais da safra, com a recuperação da capacidade de cristalização — que na safra passada foi afetada pelos incêndios —, e com um mix mais açucareiro.
Até o momento, a produtividade agrícola da cana está menor — em abril, foi 16,6% inferior, em 72,7 toneladas por hectare, segundo o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) —, enquanto o teor de ATR de abril a maio foi 4% menor, em 117,02 quilos por tonelada de cana, segundo a União das Indústrias de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica). Na visão das consultorias, a recuperação da safra se daria principalmente no terço final da safra, entre setembro e novembro.
Porém, Venturelli ressaltou que acha difícil ocorrer uma “surpresa de fim de safra”, como a que ocorreu na temporada passada. “A surpresa no fim da safra do ano passado foi construída ao longo da safra. Já neste ano [a produção] vem operando em déficit em relação ao projetado]. Se a lógica de surpresa fosse verdadeira, precisaria ter uma explosão de produtividade no fim da safra, talvez algo que nunca vimos acontecer nessas regiões, e teria que se converter efetivamente em açúcar”, defendeu.
O alerta dos executivos da São Martinho vem em um momento em que os preços do açúcar no mercado internacional estão sob forte pressão e já perto do custo de produção de muitas usinas no Brasil, senão abaixo no caso das usinas menos eficientes.
Etanol
Além da questão agronômica, dinâmicas de mercado também podem reduzir o potencial de produção de açúcar do Brasil, segundo Venturelli. Amanhã, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) deve decidir pelo aumento da mistura do etanol anidro na gasolina de 27,5% para 30%, enquanto o etanol hidratado, que compete com a gasolina, continua mais competitivo nas bombas. Para ele, esses fatores devem fazer com que “parte importante do mix deva virar para o etanol”.
Para ele, será “inevitável” que o Centro-Sul aumente seu mix de etanol dado o cenário para a oferta e demanda de etanol no fim da safra. “Precisamos ter um estoque saudável de passagem e, com o que tem de etanol de cana e mais o etanol de milho, se não tiver alguma conversão de mix para o etanol, a passagem de safra vai ser difícil”, afirmou.
A própria São Martinho não divulgou seu guidance de produção de açúcar e etanol para esta safra, o que já indica que a decisão de mix da companhia ainda está em suspenso. Para sua própria produção de cana, a companhia estima um aumento de moagem de 3,7% ante a safra passada, para 22,6 milhões de toneladas.
Venturelli ressaltou, porém, que o aumento da produção da companhia deve refletir uma trajetória muito própria, tomando como base o fato de que os canaviais da empresa foram severamente afetados pelos incêndios no ano passado, atingindo cerca de 2 milhões de toneladas.
“Fomos muito diligentes em tratar e investir quase R$ 100 milhões nas áreas que foram afetadas pelas queimadas. Os 22,6 milhões de toneladas [de produção prevista] estão muito impactados de forma favorável por todas as nossas ações para eliminar o efeito das queimadas para esta safra e não representa o que acontece na regiões vizinhas”, afirmou.
Mesmo com maior moagem de cana, a São Martinho também deve ser afetada pela menor qualidade da cana, tanto que espera que a quantidade total de ATR suba em proporção menor, e 1,8% (Globo Rural)
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Resultados do trimestre da São Martinho são fracos, dizem analistas
Desempenho abaixo do esperado foi devido à maior exposição ao etanol, afirmam especialistas.
A São Martinho apresentou resultados “abaixo do esperado” no quarto trimestre de 2024, com lucro líquido de R$ 105 milhões, uma queda de 83% em relação ao mesmo período do ano anterior. Analistas atribuem o desempenho fraco à maior exposição ao etanol no mix de produção e aos efeitos remanescentes de incêndios florestais, que afetaram a produtividade da cana-de-açúcar.
De acordo com o Itaú BBA, o resultado foi pressionado pela queda nos preços do açúcar, pela desvalorização cambial e por volumes de etanol abaixo do projetado, tanto nas operações com cana quanto com milho. O banco também destacou que os custos de produção se mantiveram elevados.
O BTG Pactual observou que os custos do etanol subiram 12% na comparação anual, atingindo R$ 2,73 por litro, o que igualou o preço médio de venda e resultou em margens de equilíbrio. Segundo o banco, o mix de produção mais voltado ao etanol contribuiu para limitar a rentabilidade no trimestre. As margens do açúcar apresentaram leve recuo, mas ainda foram consideradas saudáveis.
Na estratégia de comercialização, a São Martinho adotou uma abordagem mais linear para as vendas de etanol ao longo do trimestre, diferentemente de outras empresas do setor. Segundo o BTG, isso reduziu o risco comercial, mas também limitou os ganhos com a valorização do etanol. Já a operação de etanol de milho teve margem positiva de R$ 1,33 por litro, o que ajudou a compensar o desempenho mais fraco da operação com cana-de-açúcar.
Para o ciclo 2025/26, cerca de 73% da produção de açúcar da cana própria já foi contratada, com preços próximos das projeções, destacou o Itaú BBA. O banco aponta que esse fator contribui para manter as expectativas estáveis no curto prazo.
Ainda não foram divulgadas orientações sobre o mix de produção, mas a projeção do BTG é de uma divisão equilibrada entre açúcar e etanol na próxima safra, o que poderia favorecer a rentabilidade. A expectativa também é de redução nos custos de produção, considerando a ausência de eventos climáticos extremos, como os incêndios do último ano. “As ações da São Martinho têm ficado atrás tanto do índice quanto das commodities que comercializa — mas acreditamos que isso cria uma oportunidade”, diz o relatório do banco.
O BTG mantém visão positiva para as ações da São Martinho, “vendo a São Martinho como uma empresa de alta qualidade com potencial atrativo de valorização”. Segundo o banco, o mix de produção deve se normalizar na safra, o que deve beneficiar as margens.
A empresa já fixou cerca de 80% da produção de açúcar da cana própria a um preço médio de aproximadamente 19,6 centavos de dólar por libra-peso, o que oferece proteção contra oscilações de mercado no curto prazo. O BTG projeta um rendimento de fluxo de caixa livre de 15% para o exercício de 2026.
Já o Itaú BBA observa que os investidores estão cautelosos em relação ao setor, diante da volatilidade na moagem de cana no Brasil e da produção asiática de açúcar. Para 2025/26, o banco projeta um rendimento de fluxo de caixa livre ao acionista em dois dígitos, mas avalia que uma retomada do interesse dos investidores dependerá de sinais mais claros de valorização nos preços do açúcar.
Para o próximo ciclo, a companhia estima uma produção de tonelada de açúcar recuperável por hectare 1,5% abaixo da projeção do Itaú BBA, o que deve impactar as estimativas de lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda, na sigla em inglês). Considerando também os investimentos em expansão previstos, o banco calcula uma redução de cerca de 4% no rendimento de fluxo de caixa livre ao acionista, mantendo-se, no entanto, em patamar de dois dígitos.
Ambos os bancos mantêm recomendação de compra para as ações da São Martinho. O Itaú BBA estabelece preço-alvo de R$ 31 por ação até o final de 2026, enquanto o BTG projeta R$ 40 para os próximos doze meses.
Banco do Brasil
Em relatório divulgado ao mercado, o Banco do Brasil avaliou como negativos os resultados da São Martinho no quarto trimestre da safra 2024/25, apontando queda acentuada nos volumes de vendas e nos preços do açúcar, cenário que foi parcialmente compensado pela alta no preço do etanol.
A instituição financeira destacou ainda que, ao longo da safra, a companhia sofreu com menor diluição de custos fixos e aumento da necessidade de capital de giro, o que reduziu a rentabilidade.
O banco atribui grande parte das dificuldades enfrentadas pela empresa a fatores conjunturais, como o cenário adverso no setor sucroenergético. De acordo com o relatório, os preços do açúcar atingiram “as mínimas dos últimos quatro anos”, enquanto a elevação das taxas de juros e o aumento dos investimentos necessários para mitigar impactos climáticos agravaram o quadro. A safra foi prejudicada por condições climáticas atípicas, como queimadas e chuvas fora do esperado.
Apesar disso, o Banco do Brasil afirma que o desempenho fraco não indica necessariamente um problema estrutural na companhia. “O resultado adverso tem mais elementos conjunturais do que estruturais, sinalizando que investidores parecem estar projetando uma perpetuação das condições adversas, o que não nos parece o cenário base”, apontou o banco.
Entre os destaques positivos, a instituição ressaltou o desempenho da operação de etanol de milho, que completou seu primeiro ano com produção de 212,6 mil metros cúbicos de etanol, um crescimento de 36,3% em relação ao ano anterior.
Sobre o desempenho das ações, o Banco do Brasil observou que os papéis da São Martinho acumulam queda de 43% em 12 meses, desempenho menos negativo do que o de outras empresas do setor, como Raízen (-59%) e Jalles (-42%). Para o banco, o movimento reflete a combinação entre aumento de custos, maior endividamento e elevação das despesas de capital, exigidas pela necessidade de renovação dos canaviais e pela resposta aos desafios climáticos.
Na avaliação do Banco do Brasil, o pessimismo do mercado pode estar exagerado. “Os atuais patamares de preços das ações parecem indicar um pessimismo excessivamente prolongado, ignorando potenciais gatilhos de alta como a maior demanda por etanol no mercado doméstico e o retorno dos preços de açúcar a um patamar mais normalizado”, diz o relatório. Ainda assim, a instituição reconhece que o tempo de recuperação do setor pode ser maior do que o antecipado pelo mercado (Globo Rural)