Brasil virou o maior fornecedor de soja e milho para os chineses.
O esforço da China para mudar suas fontes de importação de alimentos desde 2018 colocou o país em uma posição melhor para impor tarifas sobre os produtos agrícolas dos EUA, com menos danos à sua segurança alimentar, se o atrito comercial com Washington aumentar após a eleição presidencial dos EUA.
A ameaça de uma guerra comercial paira sobre a China, o maior importador mundial de produtos agrícolas, como soja e milho, com o candidato republicano Donald Trump propondo tarifas de 60% sobre os produtos chineses em uma tentativa de impulsionar a produção dos EUA.
Espera-se que sua adversária, a democrata Kamala Harris, também confronte a China em relação ao comércio.
Desde que Trump foi presidente, a China reduziu sua dependência dos produtos agrícolas dos EUA em um esforço conjunto para reforçar a segurança nacional, incluindo a autossuficiência alimentar.
Em 2018, Pequim impôs tarifas de 25% sobre as importações de soja, carne bovina, carne suína, trigo, milho e sorgo dos EUA, retaliando as tarifas impostas pelo governo Trump sobre US$ 300 bilhões em produtos chineses.
A medida levou a uma reformulação dos fluxos comerciais agrícolas globais, apesar de Trump e o então vice-primeiro-ministro chinês Liu terem assinado um pacto em janeiro de 2020, segundo o qual Pequim prometeu aumentar as compras de bens e serviços dos EUA, incluindo produtos agrícolas.
Em vez disso, a China diminuiu as compras dos EUA, comprando mais grãos do Brasil, da Argentina, da Ucrânia e da Austrália, mesmo com o aumento da produção doméstica.
“Pequim se sente muito mais segura sabendo que os EUA têm menos influência sobre a segurança alimentar da China no caso de um grande conflito”, disse Even Pay, analista agrícola da consultoria Trivium China, sediada em Pequim. “Essa redução é intencional”, completou.
Este ano, a participação das importações chinesas de soja dos EUA caiu para 18%, de 40% em 2016, enquanto a do Brasil cresceu de 46% para 76%, de acordo com dados da alfândega chinesa.
Com relação ao milho, o Brasil ultrapassou os EUA como principal fornecedor da China em 2023, apenas um ano depois que Pequim aprovou as compras da potência agrícola sul-americana.
Enquanto isso, as empresas pecuárias chinesas vêm reduzindo o uso de farelo de soja na ração —uma medida para diminuir a dependência da soja importada—, e Pequim aprovou variedades de soja e milho geneticamente modificadas para aumentar a produção.
O Ministério da Agricultura da China não respondeu imediatamente a um pedido de comentário.
Um porta-voz de Trump não comentou diretamente sobre a queda na dependência da China em relação às exportações agrícolas dos EUA, mas apontou para os comentários de Trump de que tarifa é “uma palavra bonita” e “receberemos centenas de bilhões de dólares em nosso Tesouro e usaremos esse dinheiro para beneficiar os cidadãos americanos”
O site da campanha de Harris diz que a candidata democrata “não tolerará práticas comerciais injustas da China ou de qualquer concorrente que prejudique os trabalhadores americanos”.
ESTOCAGEM
Em antecipação às tensões pós-eleitorais, os compradores chineses aumentaram as importações agrícolas, inclusive de soja e milho americanos, segundo traders e analistas.
As importações de soja, usadas principalmente para ração animal, subiram 8% nos primeiros nove meses do ano, com as compras de cevada aumentando 63% e os embarques de sorgo subindo 86%.
Um trader de uma empresa comercial internacional em Singapura que vende grãos e sementes oleaginosas para a China afirmou que o país asiático está bem abastecidos em suas necessidades e que os chineses terão tempo para planejar e redirecionar suas compras, pois não há choque na oferta a curto prazo. Ele pediu para não ser identificado por não estar autorizado a falar com a mídia.
Os prêmios de exportação de soja dos EUA estão em seu nível mais alto em 14 meses, já que os comerciantes de grãos correm para embarcar uma safra recorde antes das eleições.
Embora Pequim prefira evitar atacar os alimentos básicos em uma guerra comercial, ela pode ser forçada a fazê-lo, disse Wendong Zhang, professor assistente e economista agrícola da Cornell University em Ithaca, Nova York.
“A retaliação da China seria proporcional em termos de valor comercial e com o objetivo de infligir custos econômicos e políticos, o que tende a levar a retaliações sobre produtos agrícolas.”
O superávit comercial geral da China com os EUA totalizou US$ 33,33 bilhões (R$ 193,16 bilhões) somente em setembro, limitando suas opções de retaliação.
“A China (…) pode reduzir sua exposição aos produtos dos EUA apenas até certo ponto. Há apenas um número limitado de lugares de onde você pode obter esses produtos”, afirmou Dennis Voznesenski, analista do Commonwealth Bank of Australia.
AGRICULTORES DOS EUA VULNERÁVEIS
As pesquisas mostram que Harris e Trump estão empatados, embora Trump lidere na maioria dos estados agrícolas do interior, embora a última guerra comercial tenha sido um golpe para os agricultores dos EUA e tenha levado o governo de Trump a pagar a eles cerca de US$ 23 bilhões em compensação, de acordo com o Government Accountability Office.
Cerca de metade da soja americana, a principal exportação dos EUA para a China, é enviada para o país, respondendo por US$ 15,2 bilhões do comércio em 2023, de acordo com o U.S. Census Bureau.
Os preços da soja e do milho estão sendo negociados perto das mínimas de quatro anos em meio à ampla oferta mundial, alimentando a preocupação dos agricultores dos EUA.
“Estamos muito preocupados. Não somos o único produtor de soja do mundo. A América do Sul está produzindo uma quantidade enorme de soja”, disse Mark Tuttle, agricultor de soja no norte de Illinois. “Se instituíssemos mais tarifas, isso seria muito prejudicial para nossa situação” (Reuters)