Câmaras térmicas vão proporcionar materiais de plantio de mandioca mais produtivos e sadios

A Rede de multiplicação e transferência de materiais propagativos de mandioca (Reniva) acaba de incorporar uma tecnologia que utiliza a temperatura para gerar plantas mais sadias. Técnica inovadora desenvolvida pelo Centro Internacional para Agricultura Tropical (Ciat), na Colômbia, e aperfeiçoada pela Embrapa Mandioca e Fruticultura (BA), é capaz de gerar, por meio da termoterapia, plantas de mandioca com alta qualidade fitossanitária, livres de patógenos sistêmicos, como vírus, bactérias e agentes que causam a podridão radicular.

Recentemente, a Embrapa foi contemplada com cerca de 1,6 milhão de reais liberados pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) para a ampliação do Reniva para nove estados das regiões Norte e Nordeste. A principal novidade do projeto, com duração de 24 meses, é a construção de câmaras térmicas automatizadas em cada um desses estados, incluindo o Amapá, cujos plantios de mandioca nas áreas indígenas do Oiapoque vêm sendo dizimados por uma nova doença.

“Os estados que serão contemplados com a proposta desse TED [Termo de Execução Descentralizada] terão acesso às plantas, denominadas ‘matrizes-elite’ de mandioca, que serão submetidas ao trabalho de termoterapia e estarão livres de viroses, bacteriose, podridão radicular e superalongamento. Também podemos atestar 70% de limpeza para a doença couro-de-sapo e fitoplasmas”, informa o engenheiro-agrônomo da Embrapa Hermínio Rocha, um dos coordenadores da Rede Reniva. “Ou seja, com essas câmaras, aumentamos o escopo de doenças cobertas, gerando um material básico mais sadio. Nessa situação emergencial do Amapá, por exemplo, vamos poder traçar, com essa tecnologia, estratégias de limpeza e de multiplicação de materiais locais para devolução aos povos indígenas de uma maniva-semente com sanidade vegetal”, declara.

Adaptações para eliminar patógenos sistêmicos

O cientista conta que a termoterapia é uma tecnologia já utilizada há muito tempo para limpeza de materiais vegetais. Havia um projeto dentro da Plataforma América Latina e Caribe-Brasil de Inovação Agropecuária (LAC-Brazil Agricultural Innovation Marketplace), executado pela Embrapa de 2011 a 2016, em parceria com o Ciat, para o desenvolvimento e melhoria de câmaras térmicas automatizadas, que foram distribuídas pelos países da região, sendo a maior parte implantada na Colômbia e Costa Rica.

A inovação está no que foi feito na câmara instalada na Embrapa Mandioca e Fruticultura, que passou por adaptações para que se pudesse atingir a limpeza de patógenos sistêmicos, especialmente relacionados ao complexo do couro-de-sapo da mandioca e ao moko da bananeira, doenças causadas por patógenos sistêmicos.

Para se conseguir eliminar esses microrganismos, são necessárias temperaturas muito altas. Então, adaptações foram feitas, sob o comando do pesquisador Saulo Oliveira, para que se pudesse atingir temperaturas ideais sem matar as plantas. A câmara térmica possui um painel de controle automatizado, ou seja, a temperatura é controlada por meio de um sistema combinado de irrigação e ventilação, o que garante que as plantas não sofram com estresse devido a altas temperaturas.

O primeiro sistema, de nebulização, promove a pulverização de água, resfriando o ambiente interno da câmara; o segundo é uma janela composta por mecanismos de abertura ativados automaticamente ao atingirem as temperaturas máximas e mínimas pré-definidas, monitoradas internamente por termômetros industriais. No caso das plantas de mandioca, a temperatura ideal para abrir e fechar a janela é de 55°C e 50ºC, respectivamente.

“Se colocarmos as plantas sob uma temperatura muito alta, de 55ºC, normalmente elas morrem, mas as condições que a gente dá permite que aconteça o contrário, que as plantas cresçam muito mais rápido dentro da câmara térmica. O sistema de sensores identifica a necessidade de irrigação para manutenção da umidade e abertura da janela zenital [entrada de luz natural em um ambiente por meio de aberturas na cobertura] para controle de temperatura. É um balanço entre temperatura e umidade. É tudo pensado para que a planta consiga suportar altas temperaturas e a gente matar ou pelo menos reduzir a multiplicação do patógeno, que fica restrito a alguns tecidos enquanto a planta continua crescendo. Quando fizermos os cortes, a probabilidade de ter plantas limpas é bem mais alta. Daí a gente vai fazendo esses ciclos de multiplicação sob temperatura elevada”, explica o pesquisador.

Tecnologia de baixo custo de manutenção

A câmara térmica da Embrapa é uma estufa de aço galvanizado, toda coberta com plástico selado hermeticamente, que ocupa um espaço de 25 m². “Existe também como fazer isso usando, por exemplo, madeira, reduzindo bastante os custos de implantação. Depois de implantada, a manutenção é bem barata, porque a estratégia é utilizar um plástico grosso, transparente, com manutenção a cada três ou quatro anos. E, nesse período, quando houver algum furo ou rasgo, existem fitas adesivas exclusivas para esse tipo de plástico”, informa Oliveira.

O projeto contempla a distribuição das câmaras, que serão instaladas preferencialmente em Unidades da Embrapa nos nove estados contemplados no TED: Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Bahia, Paraíba, Rondônia, Roraima e Tocantins. No caso da Bahia, já existe essa na Embrapa Mandioca e Fruticultura, no município de Cruz das Almas. “A intenção é justamente ter as duas possibilidades: a manutenção dos materiais básicos que podem ir para as biofábricas e as matrizes que vão ser utilizadas na multiplicação em viveiros”, conta o pesquisador.

“Mas a estratégia da câmara térmica pode ser interessante também, por exemplo, para cooperativas, associações etc. No caso da propagação in vitro, o processo é mais lento e muitas vezes as biofábricas não conseguem suprir a quantidade de demanda. Apesar de ter custo de implantação em torno de 50 mil reais, o custo de manutenção da câmara é muito mais baixo”, avalia Oliveira.

Aumento da sanidade dos materiais

A análise de indexação de viroses pelas técnicas da PCR e RT-PCR é o processo que evidencia a presença ou não de uma virose em uma planta e é realizada em laboratório antes de o material ser multiplicado, garantindo a sanidade das mudas. A Rede Reniva já faz a indexação dos materiais para dois tipos de vírus presentes no Brasil (vírus do mosaico comum – CsCMV e vírus do mosaico das nervuras – CsVMV). “Só que temos mais um monte de outros patógenos que podem estar associados à mandioca. Então, imagine que eu fiz a indexação para esses dois vírus, só que, se eu fizer a multiplicação, até mesmo in vitro, posso manter outros patógenos que não são esses dois, como os associados ao complexo couro-de-sapo. A câmara térmica vem então para somar ao processo do Reniva”, salienta Oliveira.

Segundo o pesquisador, a taxa de limpeza da câmara térmica, no caso do complexo do couro-de-sapo, é em torno de 70%. “Teríamos, então, 30% de escape. Se eu fizer a indexação prévia e entrar com o material na câmara já indexado, posso chegar próximo a 100% de limpeza, porque se reduz a possibilidade de infecção”, diz. Por isso, ele defende a agregação do cultivo in vitro à termoterapia. ‘É muito mais interessante, então, fazer a multiplicação in vitro a partir de plantas que vieram de câmara térmica do que de plantas provenientes do campo, porque a multiplicação in vitro já tem uma taxa de limpeza. Se eu entrar com 100% de plantas infectadas na câmara térmica, vão sair, digamos, 30% infectadas. E com a limpeza in vitro, eu tenho 80% de limpeza. Então, quando agregamos os dois processos, temos uma limpeza acima de 90%”, explica.

Vantagem das câmaras térmicas: aumento da taxa de multiplicação

Além de obter materiais mais sadios, Oliveira destaca que esse método de limpeza também é uma técnica de multiplicação de manivas, uma vez que proporciona um grande número de miniestacas/mudas por planta, quando comparada ao método tradicional. Para exemplificar, ele diz que, no método convencional, com uma haste de 1 metro, o produtor conseguirá cinco manivas-sementes de 20 centímetros, ou seja, 25 plantas no período de um ano, enquanto que, na câmara térmica de crescimento, com 1 metro de haste o produtor terá 250 mudas, com qualidade fitossanitária superior às manivas obtidas em condições de campo, em um período de seis meses.

Histórico da obtenção dos recursos

O atual titular da Superintendência Baiana de Assistência Técnica e Extensão Rural (Bahiater), Lanns Almeida, anunciou em março de 2023 que havia a intenção de repassar para a Embrapa 300 mil reais de recursos do MDA para serem aplicados na Rede Reniva. A proposta contemplava três territórios do estado da Bahia. Após analisar o plano de trabalho, a Câmara Setorial da Mandioca e Derivados sugeriu a ampliação do escopo do projeto para atender a estados da região Norte, principalmente o Amapá, por conta da doença que está acabando com os mandiocais na região dos indígenas do Oiapoque, na fronteira do Brasil com a Guiana, e o valor passou para 1 milhão de reais. A ideia é disponibilizar material de plantio livre de pragas e doenças para as comunidades afetadas. A partir daí, de acordo com Rocha, técnicos do MDA solicitaram nova ampliação para abarcar também alguns estados do Nordeste, chegando ao valor final de R$ 1,6 milhão de reais.

“É um dos momentos mais importantes da Rede Reniva, com o reconhecimento do governo federal para esse trabalho importantíssimo para a cultura da mandioca”, comemora Rocha. Segundo ele, com essa ação se conseguiu englobar grande parte da produção de mandioca no Brasil, impactando diretamente na produtividade dessas áreas. “A ideia é inovadora nesse aspecto em que aumentamos o escopo de doenças cobertas e tratadas por essas câmaras de termoterapia, e esperamos, com isso, que haja uma preservação dessa sanidade, o que é alcançado por meio do trabalho dos parceiros de assistência técnica para conscientização não só dos maniveiros, mas dos produtores que são contemplados com esse tipo de material de plantio. O propósito é que façamos um excelente trabalho para que no futuro a gente possa aprovar outros TEDs que irão contemplar o Reniva em escala nacional”.

Rocha destaca que todos os estados brasileiros precisam dessa abordagem, em especial a região Centro-Sul do Brasil, que sofre com a doença couro-de-sapo, disseminada principalmente pela automação no processo de plantio da mandioca e que causa sérios impactos nas produtividades. “Estamos estabelecendo o alicerce básico para a cultura da mandioca para todo o País. A Rede Reniva é o sistema brasileiro de produção de material de plantio de mandioca, e é obrigação nossa cuidar cada vez mais da sanidade desses materiais, preservando a identidade, obviamente, e aumentando o nível de impacto das inovações tecnológicas produzidas pelo Programa de Melhoramento Genético da Embrapa Mandioca e Fruticultura.”

O engenheiro-agrônomo Helton Fleck, também coordenador do Reniva, acrescenta que esse novo investimento vai permitir à rede ter uma atuação mais sistemática em estados em que há necessidade de maior aproximação. “Precisamos estar mais presentes para efetivar a rede, já com a excelente oportunidade de introduzir uma inovação importante, que é essa questão da câmara de termoterapia, e produzir um material com alta qualidade.”

Outros recursos do MDA para projeto em áreas indígenas no Amapá

O programa de ações da Embrapa visando contribuir para a segurança e soberania alimentar dos povos indígenas de Oiapoque já recebeu em agosto do ano passado cerca de 1,3 milhão reais do MDA, também via TED, para viabilizar o projeto, de 2023 a 2025, que contempla ações do Reniva. O termo foi assinado durante o lançamento do Plano Safra de Agricultura Familiar, evento realizado pelo MDA e o governo do Amapá.

O recurso foi repassado à Embrapa para executar um plano de ação, em parceria com o Conselho dos Caciques dos Povos Indígenas do Oiapoque (CCPIO), Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé), Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Secretaria de Estado de Desenvolvimento Rural (SDR) e Instituto de Extensão, Assistência e Desenvolvimento Rural do Amapá (Rurap).

De acordo com o chefe-geral da Embrapa Amapá, Antonio Claudio de Carvalho, a Embrapa e as instituições parceiras irão promover o desenvolvimento de cultivos de diversas culturas agrícolas, juntos aos indígenas, a fim de diversificar cultivos nas áreas que estiverem contaminadas com as pragas de mandioca. Em 2023, grande parte da produção de mandioca dos indígenas do Oiapoque foi destruída devido ao ataque de microrganismos que estão passando por análises laboratoriais para identificação.

“Vamos trabalhar com manivas de variedades da Embrapa para serem plantadas a partir do próximo inverno [primeiro semestre de 2024], mas também iremos purificar e multiplicar os tipos de mandioca que existem nas aldeias. No máximo em dois anos, esses materiais dos indígenas poderão ser reintroduzidos e, à medida que forem sendo replantados, poderão reduzir o uso das variedades da Embrapa, se assim desejarem”, destaca Carvalho, com relação a conciliar as soluções tecnológicas com as tradições de uso agrícola dos indígenas. 

Durante os dois anos do projeto, serão realizadas ações como o diagnóstico dos sistemas de produção com a cartografia da doença superbrotamento nas áreas indígenas do Oiapoque e a instalação de jardim clonal e coleção biológica de cultivares/variedades de mandioca no Campo Experimental da Embrapa em Mazagão. Esse material deverá ser resistente ou tolerante às principais pragas da mandioca, a partir da coleta e multiplicação de genótipos já usados pelos produtores indígenas, de forma a resgatar e manter em ambiente seguro materiais de cultivo tradicionais do estado.

Também está sendo planejada a implantação de áreas de multiplicação de manivas-semente de mandioca, nas quais será explorada a tecnologia de multiplicação rápida de manivas-semente, que será adaptada para a realidade cultural indígena, cujas taxas de multiplicação podem aumentar de 14 a 17 vezes em relação à taxa de multiplicação convencional. Ainda está prevista a elaboração de um manual em português e línguas indígenas, sobre intervenções participativas no cultivo da mandioca e de desenvolvimento sustentável em comunidades indígenas no estado do Amapá.

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