O País se destaca como um dos mais propensos a sofrer impactos significativos, seja em razão do histórico consistente de desmatamento, seja por conta do volume de exportações de commodities.
A Regulação Europeia sobre Desmatamento (EUDR) ainda não teve seus efeitos colocados em prática, mas já vem provocando preocupações e críticas. A partir do final deste ano, a polêmica norma começará a proibir a entrada e circulação de produtos de sete commodities no mercado europeu sempre que originados de local desmatado. Diante disso, operadores devem se submeter a uma série de procedimentos de diligência prévia, demandando preparação imediata.
O processo de diligência divide-se em três momentos, cada qual com suas particularidades: provimento de informações, mensuração de risco e, se detectado, medidas de mitigação. Quanto ao primeiro, chama a atenção o expressivo rol de informações a ser fornecido, a citar dados sobre os produtos, dos agentes vinculados à cadeia de produção e, inclusive, a geolocalização dos lotes de terra envolvidos. Para mensuração de risco, por sua vez, criou-se um sistema de classificação em três níveis de risco, que considerará dados sobre índices de desmatamento, relacionamento com povos indígenas, complexidade da cadeia de produção, legislação local, dentre outros fatores. Por último, se constatado risco, a norma europeia prevê uma série de medidas para a mitigação dos mesmos, inclusive auditorias e conduções de entrevistas.
No contexto da implementação da EUDR, o Brasil se destaca como um dos países mais propensos a sofrer impactos significativos, seja em razão do histórico consistente de desmatamento, seja por conta do volume de exportações de commodities. A esse respeito, a Organização Mundial do Comércio (OMC) já constatou a dependência do País ao escoamento de produtos agrícolas para o exterior como o café, produto no qual o Brasil tem protagonismo no comércio internacional e que tem a Europa como um dos principais destinos. Segundo dados do International Trade Centre, agência conjunta das Nações Unidas e da OMC, cerca de metade das exportações brasileiras de café foram direcionadas ao continente europeu entre 2020 e 2023.
Apesar do desafio, o Brasil já conta com amplo arcabouço institucional e privado que pode contribuir para a conformidade aos padrões europeus. Quanto à mensuração do desmatamento, existem iniciativas que utilizam técnicas avançadas de georreferenciamento espacial de modo a fornecer subsídios para as políticas públicas, como as plataformas do Terrabrasilis e do MapBiomas. Um aspecto crucial a ser considerado é a questão da unidade mínima de desmatamento a ser considerada. A EUDR indica que a área mínima mapeada será de 0,5 hectare, porém ainda há falta de clareza quanto à unidade mínima de desmatamento a ser efetivamente utilizada. Por exemplo, o MapBiomas adota a área mínima de desmatamento de 0,3 hectare.
No âmbito das políticas públicas, o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) se destaca como a principal iniciativa federal para combater o desmatamento na região. Em 2024, o PPCDAm deu início à sua quinta fase, e os resultados iniciais são animadores: nos primeiros meses do ano, o desmatamento registrado na Amazônia Legal apresentou uma redução de 63% em comparação com o mesmo período em 2023. Além disso, outros mecanismos nacionais incluem o Cadastro Ambiental Rural (CAR), para registro de imóveis rurais, e os sistemas de rastreamento Sistema Brasileiro de Identificação Individual de Bovinos e Búfalos (Sisbov), Sistema Brasileiro de Agrorrastreabilidade (Sibraar) e AgroBrasil+Sustentável (ainda em desenvolvimento).
Nesse contexto, há ainda a utilização de certificações voluntárias, tanto no âmbito público como no privado, que visam a assegurar a sustentabilidade nas cadeias de valor agrícola e de processamento de alimentos. Diante disso, cita-se como experiências nacionais a iniciativa Selo Verde, no âmbito governamental, e Selo de Sustentabilidade do Café Brasileiro, como iniciativa privada para o setor cafeeiro.
Contudo, o grande desafio para a adequação à EUDR está na falta de definição e efetiva capacidade de implementação de diversos dispositivos pela União Europeia. Por exemplo, a norma até então carece de uma definição universal de floresta, bem como de especificações para a mensuração de risco e compatibilidade de certificações. Outra preocupação relevante tem sido o Sistema de Informação, plataforma na qual os operadores deverão submeter as informações referentes ao processo de diligência prévia. Até então inoperante, o sistema tem gerado dúvidas sobre seu funcionamento e conformidade às normas de proteção de dados, dificultando a adaptação pelos agentes envolvidos.
Os desafios são tão notórios que, no final de março corrente, diversas associações europeias redigiram um apelo conjunto à Comissão Europeia exigindo esclarecimentos ditos “urgentes” e soluções viáveis para a implementação da EUDR, a exemplo de aclarações quanto a previsões legais, operacionalização do Sistema de Informação e atenção às particularidades da cadeia de cada produto regulado. Por outro lado, existem aqueles que parecem otimistas com a implementação da norma, tendo no começo de abril mais de 170 empresas assinado carta em apoio à EUDR.
Embora a nova legislação europeia apresente imprecisões, o Brasil demonstra estar, em certo grau, apto a adequar-se às suas exigências. O País já possui amplo arcabouço institucional composto por ferramentas e mecanismos robustos que garantem a rastreabilidade, a sustentabilidade e a conformidade da produção agropecuária com os padrões europeus. Diante disso, será crucial considerar as particularidades nacionais e os mecanismos institucionais já existentes, de modo a garantir uma aplicação consensual e não discriminatória da norma (Paula Wojcikiewicz Almeida e Gabriel Ralile de Figueiredo Magalhães são, respectivamente, professora da FGV Direito no Rio, diretora do Centro de Pesquisa em Direito Global (CPDG) e do Centro de Excelência Jean Monnet EU-South-América Global Challenges e pesquisador do CPDG da FGV Direito Rio; Estadão)