Leitura do bloco sul-americano é que “silêncio estratégico” evita munição para governo francês, que age contra tratado de livre comércio.
Os países do Mercosul estão fortemente contrariados com as salvaguardas recém-criadas pela União Europeia contra seus produtos agrícolas, mas vão aceitar o novo mecanismo como uma forma de “salvar” o acordo de livre comércio entre os dois blocos.
O grupo formado por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai pretende manter uma espécie de “silêncio estratégico” sobre as salvaguardas aprovadas nesta terça-feira (16/12) pelo Parlamento Europeu.
Segundo relatos feitos à CNN, o objetivo é evitar reações mais virulentas, que possam levar a uma escalada de acusações mútuas entre UE e Mercosul.
Na avaliação de altos funcionários do governo brasileiro, isso seria “morder a isca” lançada pelos franceses, que resistem ao acordo de livre comércio e gostariam de usar politicamente uma eventual reação contrária do Mercosul às salvaguardas.
Brasília acredita que fazer reclamações públicas contra o novo mecanismo seria entregar justamente o que Paris precisa para inviabilizar o acordo às vésperas de sua assinatura.
O mecanismo, que tira preferências tarifárias dadas aos produtos agrícolas do Mercosul em caso de aumento das exportações à UE superior a 5% ou queda de pelo menos 5% nos preços internos, foi muito mal visto pelos sul-americanos.
No entanto, o conjunto do acordo ainda é visto como positivo pelo bloco.
Além disso, o governo brasileiro avalia que o próprio tratado tem capítulos sobre solução de controvérsias e compensações comerciais em caso da aplicação de salvaguardas pela UE.
Por isso, a ordem agora é firmar o acordo e esperar situações concretas em que o mecanismo venha a ser utilizado no futuro, sem descartar uma resposta na mesma moeda — suspensão das tarifas reduzidas para produtos europeus no Mercosul.
O Brasil conta com a participação dos presidentes Javier Milei (Argentina), Yamandú Orsi (Uruguai) e Santiago Peña (Paraguai) no sábado, em Foz do Iguaçu (PR), no encontro de cúpula do Mercosul em que o tratado com a UE deve ser assinado.
Do outro lado, a expectativa é que venham a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von Der Leyen, o presidente do Conselho Europeu, António Costa, e o comissário de Comércio, o eslovaco Maros Sefcovic.
Para que o tratado seja efetivamente assinado, contudo, é preciso ter a aprovação do Conselho Europeu — instância formada pelos chefes de governo dos 27 países-membros da UE.
O aval requer pelo menos 55% dos sócios (15 países), desde que eles tenham 65% da população total da UE, no mínimo (CNN Brasil)
UE não quer competição em uma área como a da agricultura, diz presidente da Abag
A principal frustração para o Brasil não está apenas nas salvaguardas em si, mas na percepção de que a UE não está considerando o acordo em uma perspectiva de médio e longo prazo.
As salvaguardas criadas pela União Europeia no acordo com o Mercosul revelam a resistência do bloco europeu em abrir seu mercado para a competição em áreas consideradas sensíveis, especialmente no setor da agricultura. A análise foi feita por Ingo Plöger, presidente da Abag (Associação Brasileira do Agronegócio), durante participação no WW.
“É evidente que é um tema de competitividade direta. No momento que você interfere em preços, você está interferindo na competição de mercado. Então, a União Europeia não quer abrir uma competição nessas áreas sensíveis”, afirma.
O presidente da Abag destaca que a principal frustração para o Brasil não está apenas nas salvaguardas em si, mas na percepção de que a União Europeia não está considerando o acordo em uma perspectiva de médio e longo prazo.
Plöger aponta que essa resistência vem especificamente da França, que agora busca atrair outros países europeus para sua posição. “Quando a França entra com esse tema, ela traz consigo também a Polônia. E agora quer induzir a Itália a acompanhá-la. Se a Itália acompanhar esse momento, o acordo não vai sair nesta quinta-feira (18)”, alerta.
Para o especialista, existe um potencial desperdiçado nas relações entre os blocos. “Nós temos uma pauta fenomenal, se você pensar em novos elementos como a SAF, que é o combustível para aviões sustentáveis, ou os marítimos, que são pautas muito interessantes, além de projetos em conjunto na área da mobilidade”, exemplifica.
O presidente da Abag enfatiza que o problema maior está na dimensão geopolítica e na falta de visão estratégica da União Europeia sobre o potencial da parceria com o Mercosul. “Isso não entra na cabeça dos franceses. Os outros veem esse potencial”, conclui (CNN Brasil, 16/12/25)
CNA diz que salvaguarda da UE pode limitar acesso no acordo com Mercosul LOGO CNA
Entidade afirma ser favorável ao acordo, desde que medidas unilaterais não prejudiquem o acesso real de produtos agropecuários brasileiros ao mercado europeu
A CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) vê com preocupação a aprovação, pelo Parlamento Europeu, do mecanismo de salvaguardas agrícolas nesta terça-feira (16).
Segundo a entidade, apesar de a proposta não fazer parte do acordo Mercosul-UE, que pode ser assinado no próximo sábado, o tratado só será positivo se garantir a ampliação do acesso real dos produtos agropecuários brasileiros ao mercado europeu.
“A CNA é favorável ao acordo desde que ele garanta acesso real, a ampliação do acesso real aos produtos agropecuários no mercado europeu, e que esse acesso não seja prejudicado por medidas laterais, seja essa regulamentação ou a legislação antidesmatamento, que é outra medida unilateral e que também tem potencial de prejudicar o acesso dos nossos produtos”, disse à CNN a diretora de Relações Internacionais da CNA, Sueme Mori.
Ela pondera ainda que, apesar de estar fora do tratado, a iniciativa envia um sinal negativo. “É ruim, é uma sinalização ruim e é uma animosidade nesse momento que, depois de 25 anos que se negocia, não é boa”, disse.
Segundo Sueme, essa aprovação ocorre em um momento político sensível, após mais de duas décadas de negociações.
“É importante lembrar que se trata de uma regulamentação interna da União Europeia, não negociada e que não está no âmbito do acordo. É uma regulamentação unilateral da União Europeia e não está no texto que vai ser assinado no dia 20”, afirmou à CNN.
A diretora ressaltou que o acordo Mercosul–UE já prevê instrumentos específicos para lidar com situações de salvaguarda, alinhados às regras multilaterais.
“Existem dois capítulos de salvaguardas dentro do acordo, que provavelmente vai ser assinado no sábado, um deles fala de regras da OMC. Mas não tem absolutamente nada disso que a União Europeia colocou na sua regulamentação interna”, afirmou.
O próprio tratado prevê mecanismos de reação caso medidas unilaterais afetem o equilíbrio do que foi negociado.
“O acordo tem um mecanismo de reequilíbrio de concessões. Caso alguma das partes coloque alguma medida unilateral, será feito o reequilíbrio do acordo. Acho importante dizer isso e lembrar que no acordo já tem o capítulo de salvaguardas”, afirmou.
Aprovação de salvaguardas
O Parlamento Europeu aprovou, nesta quinta-feira (16/12), por 431 votos a favor, 161 contra e 70 abstenções, uma proposta que cria um mecanismo de salvaguardas para permitir à União Europeia suspender temporariamente preferências tarifárias sobre produtos agrícolas considerados sensíveis, como carne bovina e aves, importados da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, caso haja prejuízo aos produtores europeus.
Pelo texto, a Comissão Europeia deverá abrir investigações quando as importações desses produtos crescerem, em média, 5% em três anos, patamar mais rígido que o inicialmente proposto. Os prazos de apuração também foram reduzidos, permitindo a adoção mais rápida de salvaguardas.
Os eurodeputados incluíram ainda um mecanismo de reciprocidade, que autoriza medidas caso importações beneficiadas por preferências tarifárias não cumpram exigências equivalentes às da UE em áreas como meio ambiente, bem-estar animal, saúde, segurança alimentar e proteção laboral, incluindo a exigência de normas de produção similares.
O debate ocorre no contexto do acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia, negociado há mais de duas décadas e com assinatura prevista para 20 de dezembro, durante a cúpula do bloco em Foz do Iguaçu (PR).
O Itamaraty avaliou a votação das salvaguardas como motivo de preocupação, embora o mecanismo não integre formalmente o texto do acordo.
Outras fontes do governo avaliam de que o mais importante é avançar com o acordo e os demais detalhes serão “acertados conforme for se implementando” (CNN Brasil)






