Trump se curva à realidade  

Editorial O Estado de S.Paulo

Que Lula não se iluda: decisão de Trump de aliviar tarifas contra o Brasil se deu mais em razão da inflação do que da negociação. O governo tem de trabalhar para derrubar as demais tarifas.

O presidente dos EUA, Donald Trump, decidiu retirar a tarifa adicional de 40% sobre uma série de produtos brasileiros vendidos no mercado americano, entre eles café e carnes. Antes, Trump já havia eliminado a tarifa recíproca de 10% sobre alguns desses mesmos itens. Agora, segundo levantamento do Estadão, mais de 900 produtos brasileiros estão isentos de tal fardo.

Ato contínuo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva alardeou que a decisão de Trump resultou das negociações empreendidas pelo governo brasileiro nos EUA desde a imposição das tarifas, em julho. Segundo Lula, trata-se de uma “vitória do diálogo, da diplomacia e do bom senso”. O presidente brasileiro se disse “feliz”, e tem mesmo razões para estar, mas é mais provável que Trump tenha voltado atrás não exatamente em razão da “química” com Lula, mas porque as tarifas causaram inflação nos EUA e, com isso, corroeram a popularidade do presidente americano.

A inflação dos EUA atingiu 3% em setembro, substancialmente acima da meta de 2% perseguida pelo Fed, o banco central do país. Os dados de outubro não foram divulgados por causa da paralisação do governo, que se arrastou por 43 dias em razão do impasse entre republicanos e democratas sobre o orçamento federal.

Uma pesquisa ABC News/Washington Post/Ipsos mostra que seis entre dez americanos culpam Trump pela inflação elevada, e 65% desaprovam a administração do tarifaço pelo presidente.

A carestia, além de questões como as relações de Trump com o financista Jeffrey Epstein, condenado por abuso sexual de menores, derrubou a popularidade do presidente para 38%, o menor nível desde que ele retornou à Casa Branca, segundo pesquisa Reuters/Ipsos.

Por fim, o mau desempenho de republicanos nas eleições para governos locais, no início de novembro, também obrigou Trump a virar a chave para que o Partido Republicano não perca a maioria no Congresso nas eleições legislativas de 2026.

Ao recuar das tarifas contra o Brasil, Trump chegou a citar a conversa telefônica que teve com Lula no início de outubro, dando a entender que sua atitude foi motivada pelas negociações com o presidente brasileiro. Não se pode ignorar o papel desempenhado pela diplomacia brasileira e pelo presidente Lula, é claro, mas é muito mais provável que Trump queira fazer parecer que sua decisão tem mais a ver com uma negociação comercial vantajosa para os EUA do que com a péssima conjuntura eleitoral que o acossa. Afinal, o tarifaço é o pilar de Trump para fazer os EUA “grandes de novo”.

Recorde-se que, antes de eliminar as tarifas sobre produtos brasileiros, Trump já havia entrado em acordo com a arqui-inimiga China, reduzindo a tarifa adicional sobre exportações chinesas de 20% para 10%. Desde que tomou posse, Trump ameaçou por mais de uma vez impor tarifas acima de 100% aos produtos chineses vendidos nos EUA, mas, diante do poder de retaliação de Pequim e do estrago que as tarifas elevadas provocariam sobre as empresas americanas, voltou atrás todas as vezes, sempre alegando ter conseguido uma negociação vantajosa com os chineses.

Portanto, Trump parece aos poucos inclinar-se a desmantelar a política protecionista por meio da qual prometeu o paraíso aos americanos e lhes entregou preços altos.

No caso específico das tarifas contra o Brasil, é importante salientar que Trump, quando as impôs, se disse motivado pela “perseguição” ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Como a situação de Bolsonaro não mudou nada desde então – ao contrário, nesse meio tempo ele foi condenado a uma pena duríssima por tentativa de golpe de Estado e está a dias de saber se a cumprirá em casa ou num presídio –, não é difícil concluir que seu caso deixou de ter importância nos cálculos de Trump. O deputado Eduardo Bolsonaro, que está há meses nos EUA articulando as sanções contra o Brasil, terá de encontrar outra ocupação.

Quanto ao governo brasileiro, fará bem em ser prudente. Trump é mercurial e pode voltar atrás a qualquer momento, sem maiores explicações. E cabe ao Brasil continuar a trabalhar para derrubar as tarifas impostas a outros setores exportadores e para construir relações mais sólidas com o governo Trump. O trabalho só começou (Estadão)

Related Posts

  • All Post
  • Agricultura
  • Clima
  • Cooperativismo
  • Economia
  • Energia
  • Evento
  • Fruta
  • Hortaliças
  • Meio Ambiente
  • Mercado
  • Notícias
  • Opinião
  • Pecuária
  • Piscicultura
  • Sem categoria
  • Tecnologia

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Edit Template

Quer receber notícias do nosso Diário do Agro?
INSCREVA-SE

You have been successfully Subscribed! Ops! Something went wrong, please try again.

© 2024 Tempo de Safra – Diário do Agro

Hospedado e Desenvolvido por R4 Data Center