Associações setoriais e empresas estarão em painéis de debates dentro e fora da área de negociação.
Responsáveis por volumes importantes de emissões de gases que aquecem o planeta, setores como de óleo e gás e da agropecuária também vão à COP-30, a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, que começa na segunda-feira, 10, em Belém.
Historicamente, entidades que reúnem o setor e empresas costumam participar tanto com painéis dentro do espaço das negociações (a chamada Blue Zone, ou área azul, na tradução para o português) como fora, além de, em alguns casos, terem representantes credenciados como “delegados”.
É comum que organizações civis e o setor privado participem da COP. Nesse caso, seus representantes tradicionalmente recebem crachá de “observadores”, o que significa que têm acesso aos negociadores e à parte das salas em que ocorrem as discussões.
ONGs que atuam na área ambiental e climática, como o Observatório do Clima, e entidades setoriais, como a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), estão entre essas organizações credenciadas pela ONU para atuarem acompanhando as negociações, compartilhando conhecimentos com negociadores, garantir transparência de todos os processos e até mesmo influenciando os debates.
“A CNA é observadora do Acordo de Paris (tratado assinado por 196 países com o objetivo de limitar o aquecimento global a 1,5°C) e acompanhamos tecnicamente as discussões. Participamos para entender como reduzir as emissões”, diz Amanda Roza, assessora técnica de sustentabilidade da CNA.
O agronegócio é responsável por 29% das emissões brasileiras e está ligado às emissões por mudanças do uso da terra — atividades que emitem 42% dos gases poluentes brasileiros e, em sua maioria, são feitas para dar espaço ao agro. Apesar disso, o setor estará na COP para mostrar ao mundo que as práticas brasileiras são mais sustentáveis do que as de outras potências agrícolas, de acordo com Roza. “Achamos que é uma oportunidade para mostrar como funciona o agro aqui. O Brasil tem ampliado a adoção de práticas sustentáveis.”
De fato, o País tem algumas vantagens na comparação com outros e pode ampliar sua produção sem desmatar, dado que já tem áreas degradadas e podem ser recuperadas. O clima tropical também permite o cultivo de mais de uma safra em um mesmo ano e em um mesmo solo, o que torna a produção mais sustentável. Os Estados Unidos, outra potência no setor, não conseguem fazer isso em seu “corn belt” (o cinturão do milho, região produtora de grãos do país), atingido por nevascas no inverno.
O desafio de parar de desmatar, no entanto, ainda é significativo. Roza afirma que a CNA se posiciona contra o desmatamento ilegal. “Ele é crime. É dever do Estado combatê-lo. O setor privado não pode ser responsabilizado por um crime. Apoiamos que os produtores tenham suas situações regularizadas e mantenham as áreas de preservação permanente.”
A CNA terá um stand na Blue Zone (espaço administrado pela ONU), onde terá uma programação de discussões focada nos temas que estarão em negociação pelos países, como financiamento climático. “Todos os setores da economia terão de reduzir suas emissões. Isso acarreta um aumento no custo de produção. Quais serão os mecanismos de financiamento para os produtores?”, questiona Roza.
Outra discussão que os representantes da CNA estarão atentos será às relacionadas à contabilização das emissões. Há uma tentativa de mostrar para outros países que técnicas adotadas aqui, como o plantio direto, mitigam emissões de gases poluentes. Se isso for reconhecido, permitiria que as metas de redução do setor fossem mais flexíveis.
Fora da Blue Zone, a CNA terá um stand na AgriZone — um espaço fora do Parque da Cidade, onde estará acontecendo oficialmente a COP. Organizado pela Embrapa, a AgriZone será um local criado especificamente para discussões sobre agropecuária. Ali, haverá debates sobre tecnologias e soluções sustentáveis desenvolvidas para diferentes culturas.
O que a Petrobras faz na COP?
Também responsável por grande parte das emissões, o setor brasileiro de óleo e gás participará da COP-30 principalmente por meio da Petrobras. A empresa terá ao menos dois painéis no Pavilhão Brasil da Blue Zone e outros dois no da Green Zone — a área verde, o espaço no Parque da Cidade administrado pelo governo brasileiro cuja ideia é dar visibilidade para soluções climáticas e democratizar o debate sobre o clima. Diferentemente da Blue Zone, a Green Zone não exige nenhum tipo de credenciamento.
Entre os painéis organizados pela Petrobras estão um sobre descarbonização do próprio setor de óleo e gás e outro sobre descarbonização do transporte. Questionada sobre sua participação na COP, a Petrobras afirmou, em nota, que estará na conferência para “acompanhar e contribuir com os debates internacionais sobre clima e energia, apresentando iniciativas concretas e um plano de investimentos que equilibra segurança energética, desenvolvimento econômico e responsabilidade climática”.
Disse ainda ter enviado profissionais a COPs anteriores e que as conferências são “uma oportunidade de discutir modelos sustentáveis, que associem a produção de energia com uso de tecnologia e inovação, soluções que mitiguem as mudanças climáticas e protejam o meio ambiente e as pessoas, gerando emprego, renda e desenvolvimento inclusivo para o País”.
Ainda no stand do Brasil na Blue Zone, o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) terá um painel sobre redução das emissões de metano. Na Green Zone, o IBP participará de painéis no stand da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
O instituto será representado por seu presidente, Roberto Ardenghy, e pelo gerente de sustentabilidade, Carlos Victal. Como o IBP não é um observador credenciado pela ONU, Ardenghy recebeu credencial do governo brasileiro para participar da conferência como membro da delegação do País — o que é permitido.
Nesse caso, o executivo tem acesso a um número maior de salas de negociação do que os observadores, mas não tem direito a voto. O Brasil é um dos poucos países que credencia muitos agentes de fora do governo como membros da delegação.
“É uma forma que o País encontrou para mobilizar a sociedade civil e o setor privado. Ninguém que é credenciado dessa forma fala em nome da delegação”, explica a diretora de clima e energia do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), Viviane Romeiro.
Sobre a participação do IBP na conferência e a forma como a entidade vê o fato de que, na COP-28, os países concordaram em fazer uma transição “para longe” dos combustíveis fósseis, Victal afirma que a demanda energética global é crescente. “A energia tem de vir de combustível fóssil ou renovável. Mas as fontes renováveis são intermitentes. Não há democracia que resista a uma crise energética, e quem dá escala e lastro é o fóssil.”
Victal acrescenta que o mundo vai continuar consumindo “muito petróleo”. “Então, quando se fala em afastamento, é um afastamento no sentido de diluir a participação do óleo e gás no setor energético (dado que a demanda por energia vai aumentar e as renováveis também vão crescer)”.
O executivo diz ainda que o setor petroleiro é o que tem capacidade financeira e de gestão para investir em projetos renováveis. Na Petrobras, porém, os investimentos destinados a iniciativas de baixo carbono até 2029 corresponderão a apenas 15% do total.
Para Caio Vieira, especialista em políticas climáticas do Instituto Talanoa (organização que trabalha para dar respostas à emergência climática), é “meritório” que os setores intensivos em carbono tentem trazer soluções ao problema à medida que haja um alinhamento de suas propostas com a ciência. “O problema é que vemos muitos discursos que são meias-verdades.”
Vieira cita como exemplo o fato de o setor brasileiro de óleo e gás afirmar que sua produção é menos poluente do que a de outros países, o que é correto. A questão, entretanto, é que 90% das emissões do segmento ocorrem na queima dos combustíveis, e apenas 10% na exploração.
O especialista diz ainda que, dada a importância econômica do setor de óleo e gás para o País, é compreensível que haja representantes na delegação brasileira. Mas pondera que esses representantes precisam estar “alinhados às necessidades da ciência”. “Quais são os interesses dessa participação?”, questiona (Estadão)




