E o Brasil, com suas fazendas regenerativas para a marca, vem dando a resposta do que fazer: 70% delas já respondem às demandas climáticas
A matemática climática do café é desanimadora: até meados do século, até metade das terras hoje adequadas ao cultivo do grão pode se tornar inviável à medida que as temperaturas aumentam e as variações climáticas se intensificam. A agricultura já ocupa cerca de metade das terras habitáveis do planeta e precisa, para o seu ciclo produtivo, de cerca de 70% da água doce extraída globalmente, enquanto a mudança no uso da terra é um dos principais motores da perda de biodiversidade — o que significa que a forma como cultivamos está no centro de qualquer estratégia climática crível.
Andrea Illy, presidente da italiana illycaffè, afirma que o instrumento mais rápido e escalável não é uma nova tecnologia reluzente, mas um conjunto de escolhas agronômicas. “Você pode traçar uma linha direta do solo saudável à saúde humana”, disse ele. “Se você tem um solo saudável, terá uma semente saudável e um consumidor saudável.”
Sua abordagem — que ele chama de “Agricultura Virtuosa” — baseia-se em práticas regenerativas: aumentar o carbono orgânico do solo, “substituir a agroquímica pela microbiologia” e projetar para a “biodiversidade sistêmica”. O resultado, segundo ele, é resiliência e qualidade ao mesmo tempo.
Illy remonta sua guinada a 2015, quando ouviu uma previsão alarmante na Expo Milão: “até 50% das terras adequadas ao café desaparecerão até 2050 como consequência das mudanças climáticas”. A empresa respondeu com um compromisso setorial e um mapeamento para “identificar as áreas de intervenção para adaptação”, que iam da “melhoria das práticas agronômicas” à “renovação de plantas e desenvolvimento de novas áreas”. O obstáculo, insiste ele, não é o capital.
“Não existem barreiras significativas de entrada para a agricultura regenerativa. É apenas uma questão de conhecimento. Não são necessários investimentos iniciais e o custo operacional (OPEX) é menor.”
Esse foco no conhecimento se reflete nas duas fazendas-piloto da illy e no programa Universidade do Café, que dissemina as práticas bem-sucedidas em toda a rede de suprimentos. “Depois de sete anos, 90% dos produtores que trabalham conosco adotaram 70% das práticas agronômicas”, diz Illy. O papel pioneiro da empresa foi reconhecido em 2023, quando a illy se tornou a primeira marca de café certificada pelo esquema Regenagri, lançando uma linha Brasil Cerrado Mineiro produzida segundo critérios regenerativos.
A surpresa, observa ele, apareceu na xícara. “A agricultura regenerativa é mais suave… você terá um produto mais delicado, na verdade mais refinado em termos de perfil de sabor”, disse, acrescentando que as duas últimas edições do Ernesto Illy International Coffee Award foram vencidas por fazendas regenerativas no Brasil. Embora o país seja frequentemente estereotipado como produtor de volume, Illy argumenta que o terroir nunca foi o problema: “Aparentemente, a responsabilidade pela qualidade padronizada estava nas práticas agronômicas”.
O fio condutor ecológico é a biodiversidade — abaixo e acima do solo. “Ao enriquecer o solo com carbono orgânico, você enriquece a microbiota do solo”, diz. “Há mais micro-organismos em uma colher de chá de solo do que em todo o universo”, acrescenta, meio em tom de brincadeira.
Essa vida microbiana constrói estrutura e retenção de água, reduzindo a necessidade de irrigação e amortecendo os efeitos da seca. Acima do solo, a diversidade de cultivares funciona como proteção contra pragas e doenças; os policultivos nas fazendas contrariam o “enorme destruidor de biodiversidade” que é a monocultura; e as reservas naturais adjacentes promovem o que ele chama de “biodiversidade aérea” — insetos, aves e microrganismos que prestam serviços ecossistêmicos às lavouras.
No Brasil, onde a lei exige ao menos 20% de reserva natural nas propriedades, muitos produtores voltados à qualidade chegam a uma proporção de um para um, diz ele. “O que vemos é que quanto maior o recurso natural ao redor da plantação, melhor a qualidade.”
Essa abordagem tem importância muito além do café. A agricultura é a principal usuária de terras habitáveis e um dos maiores fatores da escassez de água e da perda da natureza; na formulação de Illy, é a “prioridade número um”. Os sistemas regenerativos podem inverter a pegada da agricultura “de negativa para positiva”, argumenta ele, reconstruindo a resiliência planetária rapidamente.
Ele é direto sobre o risco: os ecossistemas estão entrando em um estado de “autodestruição autopropelida” à medida que os choques climáticos se intensificam, corroendo a capacidade de amortecimento da biosfera.
Os céticos muitas vezes reduzem a sustentabilidade a uma narrativa de troca: custos mais altos agora, retornos incertos depois. Illy rebate com fundamentos financeiros. “Os investidores se preocupam com valor. Lucros são um pré-requisito… mas não são suficientes.” Prêmios de reputação podem elevar a receita; menor intensidade de insumos e de passivos pode reduzir custos; e menor risco percebido pode reduzir o custo de capital. “A sustentabilidade é um dos maiores geradores de valor que se pode encontrar na indústria”, afirma — desde que seja “real”, não um exercício de “mera conformidade” ou greenwashing.
A dimensão da saúde faz parte dessa história “real” para Illy. Embora ele aponte sinais regulatórios em evolução, as evidências mais robustas vêm da epidemiologia: grandes estudos populacionais associaram o consumo de café à menor mortalidade por todas as causas, e a Organização Mundial da Saúde (OMS), por meio da Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC), reverteu em 2016 sua classificação de 1991, concluindo que o café é “não classificável” quanto à carcinogenicidade (o risco está em bebidas muito quentes, não no café em si). A próxima pergunta científica de Illy é se os grãos cultivados regenerativamente — ao induzirem as próprias defesas fitoquímicas das plantas — poderiam amplificar esses benefícios. “Essa será a próxima etapa da jornada.”
Apesar de toda a discussão sistêmica, a adoção depende da praticidade. Illy enfatiza que o regenerativo “não é um sim ou não”: os produtores podem “entrar ou sair por etapas”, começando com o uso de composto para aumentar o carbono do solo, adicionando culturas de cobertura e, depois, reduzindo os agroquímicos “às vezes a zero”, ou utilizando “os melhores produtos… de forma muito mais controlada” quando o clima ou as pragas exigirem. Ele alerta contra regimes excessivamente prescritivos: “A agricultura é tão complexa… você precisa reinventar completamente suas práticas agronômicas a cada ano. Não imponha restrições aos produtores… o regenerativo, até agora, não tem restrições.”
Existem barreiras culturais. Os consumidores, observa ele, têm resistido à sustentabilidade “de cima para baixo”, que parece transferir custos para as famílias. A política segue os votos; “as finanças seguem o dinheiro”. Sua aposta é que os mercados de capitais manterão o rumo nos fundamentos da transição, mesmo quando a retórica oscilar.
Ainda assim, o conselho mais prático que ele oferece a CEOs é simples e direto. “Olhem para isso”, diz ele. “Olhem com seriedade e vocês descobrirão surpresas incríveis, e positivas.” As surpresas que ele lista são concretas: maior produtividade e eficiência no uso da terra; menor intensidade de uso de água; biodiversidade mais rica dentro e fora da fazenda; menos agroquímicos; e — fator crítico para categorias orientadas por marca, como o café — melhor sabor. Para um setor que enfrenta a perda climática de áreas de cultivo — do Brasil às terras altas da Etiópia —, a combinação de resiliência e qualidade pode ser o argumento mais convincente de todos.
Em termos práticos, isso significa começar onde a agronomia encontra os incentivos. Mapear a exposição climática; testar práticas regenerativas em fazendas representativas; usar estruturas de terceiros (o caminho regenagri da illy é um exemplo) para definir linhas de base e aprender; e investir em educação de produtores que dissemine as práticas bem-sucedidas em toda a rede de fornecimento.
Depois, medir em ambas as direções: do solo (carbono, retenção de água, biodiversidade) à xícara (qualidade, consistência) e ao demonstrativo financeiro (custos de insumos, riscos de passivos, prêmios de preço, custo de capital). O ponto, como Illy coloca, não é ideologia, mas resultados. “Ajuda na adaptação e na mitigação ao mesmo tempo, com exatamente a mesma ação”, afirma. “Mais do que você pode sonhar” (Forbes)
											



