Em Sorriso (MT), produtores precisarão colher 72 sacas da oleaginosa por hectare para pagar o investimento total na lavoura, segundo o Cepea.
A combinação de preços estáveis de soja e milho e custos ainda firmes para implantação das lavouras, puxados por altas reais dos insumos agrícolas, deve derrubar a rentabilidade dos produtores brasileiros dessas duas commodities na safra 2025/26.
A projeção do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea-Esalq/USP) é de quedas de 36,7% e 92% nas margens brutas dos dois produtos, respectivamente, na comparação com o ciclo anterior. Mesmo assim, os saldos ainda serão positivos para quem não está alavancado e produz em áreas próprias.
O cenário é mais complicado para quem precisa pagar arrendamento e financiamento, por conta dos juros altos e gastos elevados com alavancagem carregados de safras anteriores. Dessa forma, o espaço fica cada vez mais apertado para novos investimentos e pode culminar em uma concentração produtiva ainda maior nos próximos anos, com a saída da atividade de produtores endividados e o domínio de grandes grupos, alertaram especialistas e entidades de agricultores.
As receitas brutas da produção de grãos deverão ter declínio acentuado na temporada, segundo o pesquisador do Cepea-Esalq/USP Mauro Osaki. A perspectiva é de queda de 8,8% na soja, para R$ 6,6 mil por hectare, e 21% no milho segunda safra, para perto de R$ 4,5 mil por hectare, na comparação com 2024/25. As margens brutas também caem, mas ainda são positivas.
O quadro é de prejuízo financeiro, no entanto, para quem precisa considerar gastos com arrendamento, depreciação e juros.
“Pelo alto nível de juros e o custo da terra, economicamente vemos esse prejuízo. Para ter dinheiro para saldar esse recurso e fazer novos investimentos, é o que nos preocupa. A capacidade de investimento do produtor está cada vez mais pressionada e reduzida”, afirmou Osaki em evento organizado pela Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil) e pela Associação Brasileira dos Produtores de Milho e Sorgo (Abramilho) nesta quinta-feira (16/10).
Os custos operacionais efetivos (COE) da soja (que incluem adubos, defensivos, sementes tratadas, diesel e outros) devem aumentar 3,9%. A receita bruta projetada não cobrirá os custos totais, estimados em R$ 7,8 mil por hectare, disse Osaki. A principal alta é dos fertilizantes, que passam de R$ 1,1 mil por hectare em 2024/25 para R$ 1,4 mil por hectare agora, elevação de quase 20%.
No caso do milho, há queda de 5,9% no COE, mas a receita bruta cai mais 21%. Pesa negativamente na conta do cereal a perspectiva de recuo acentuado na produtividade, para cerca de 94 sacas por hectare contra 118 sacas na temporada anterior. O custo total estimado é de R$ 6,4 mil por hectare.
A margem bruta calculada para a soja é de R$ 1,4 mil por hectare contra R$ 2,2 mil no ciclo passado. O valor desconta o COE da receita bruta. Ao considerar os custos variáveis, como juros sobre capital investido, depreciação e arrendamento, há prejuízo de R$ 1,2 mil por hectare. No milho, a rentabilidade fica em R$ 79 por hectare, queda de 92% em relação aos R$ 1 mil na safra anterior. Ao considerar o custo total, o prejuízo pode ser de R$ 1,8 mil por hectare. “No curto prazo, para aqueles que não têm problemas de dívidas passadas, se manter a produtividade e preços laterais, o cenário ainda é positivo”, completou Osaki.
Para calcular a receita bruta da soja, Osaki considerou valores médios de US$ 10,5 por bushel em março de 2026, prêmio de exportação do grão de 36,5 centavos por saca e taxa de câmbio de R$ 5,58 por US$ 1, com expectativa de produtividade média das últimas cinco safras. Para o milho segunda safra, assumiu-se o rendimento médio dos últimos cinco ciclos e o preço médio de venda dos meses de julho e setembro de 2025.
Nos cálculos do Cepea, será preciso produzir acima de 45 sacas por hectare e contar com o preço da soja a R$ 120 por saca para ter lucro. Para o milho, a conta é de colheita de 90 sacas por hectare, com a cotação a R$ 55 por saca.
“A sensibilidade de variação do preço mostra um sinal de alerta para qualquer quebra de produção ou queda no preço”, afirmaMauro Osaki, pesquisador do Cepea-Esalq/USP
Segundo a pesquisa do Cepea, produtores de Sorriso (MT) precisarão colher 72 sacas de soja por hectare para pagar o custo total da lavoura. A produtividade média das últimas cinco safras ficou em 61 sacas por hectare. Em Carazinho (RS), que sofreu perdas recorrentes, o cálculo aponta a produção de 73 sacas por hectare para cobrir os custos totais. A média recente está em apenas 49 sacas por hectare.
No caso do milho, os agricultores de Cascavel (PR) precisam produzir 154 sacas por hectare para pagar todos os custos. O rendimento médio das lavouras do município paranaense está em 93,5 sacas por hectare. Em quase todos os casos pesquisados, a produtividade média é capaz de bancar os custos operacionais, que não considera variáveis como juros e depreciação.
O cenário é ainda mais desafiador em 2025/26 para quem é arrendatário e fez compromissos “acima da média” em anos anteriores. Em Mato Grosso, a previsão é de margens positivas para quem é proprietário das fazendas, de R$ 1 mil por hectare para a soja e de R$ 514 por hectare para o milho. Cleiton Gauer, superintendente do Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea), disse que quem atua exclusivamente com terras arrendadas vai “passar por apuros” nesta e nas próximas temporadas.
“Se pegar esse custo médio de 15 sacas de soja por hectare de arrendamento, com valor médio de R$ 100 a R$ 110 por sca, todo aquele Lajida [Lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) positivo já se esvaiu, já virou negativo e nem considerei os financiamentos nessa conta ainda”, disse no mesmo evento. “Para quem atua exclusivamente nesse modelo de trabalho, se ele não colher muito mais do que a média, vai continuar passando por apuros”, completou.
Cotações recuaram, e custos não acompanharam ritmo
Fabrício Rosa, diretor-executivo da Aprosoja Brasil, afirmou que havia sinais de que a conjuntura no campo chegaria a este ponto preocupante. Segundo ele, após períodos de preços altos das commodities, entre 2020 e 2022, as cotações recuaram e os custos de produção não acompanharam o ritmo de queda. O cenário apertou as margens dos produtores. “Conjugado a isso, tivemos problemas climáticos graves, como secas e inundações, no Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e Paraná, e a escalada dos juros que estrangulou a situação financeira dos produtores”, pontuou.
Ele ressaltou que a situação do Rio Grande do Sul é insustentável. No Estado, 33% da carteira de crédito rural está com atrasos de mais de 90 dias e grande parte das operações já foi prorrogada. Em Mato Grosso do Sul e Maranhão, o índice está perto de 20%. “No restante do país, a inadimplência está entre 10% e 15%, o normal seria estar em 4%, estamos muito acima desse teto”, apontou Rosa.
Glauber Silveira, diretor-executivo da Abramilho, disse que a baixa rentabilidade tem piorado o endividamento dos produtores. “Estamos entrando em um momento muito delicado da safra brasileira. A atividade exige investimento em máquinas e armazéns, que necessitam de rentabilidade para serem pagos. Com uma crise que cresce, vamos ver mais uma vez a redução de produtores no campo e a maior concentração das áreas”, disse.
“Alguns produtores perdem a capacidade de negociação e veem como única solução pedir a recuperação judicial para tentar se manter na atividade”, completou.
A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estima colheita total de milho no país de 138,6 milhões de toneladas e de 177,6 milhões de toneladas de soja na safra 2025/26 (Globo Rural)