Plano Clima pode ser entendido como uma “confissão de culpa” que não temos

Por Roberto Rodrigues

Texto proposto tem defeitos que atribuem ao setor agropecuário responsabilidades inaceitáveis, estabelecidas por critérios tecnicamente inadequados, para dizer o mínimo.

Para a COP-30 que será realizada dentro de um mês em Belém do Pará, cada país deve comunicar sua NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada, na tradução para o português), que é o compromisso referente à redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE) responsáveis pelo aquecimento global.

O Brasil já publicou o seu há algum tempo, prometendo reduzir as emissões em 53,1% até 2030, em relação a 2005, o que é um número ambicioso.

Para implementar esse objetivo, cada país deve ter seus mecanismos internos definidos em planos nacionais, com implementação progressiva. No Brasil temos o Plano Clima de Mitigação, que não precisa ser apresentado na COP: é um programa a ser desenvolvido pelos diversos setores, e ao mundo o que importa é o resultado concreto. Mas parcelas do governo querem apresentá-lo.

No entanto, como está hoje, o Plano Setorial de Mitigação para Uso do Solo e Agropecuária do Plano Clima tem defeitos que atribuem ao setor responsabilidades inaceitáveis, estabelecidas por critérios tecnicamente inadequados, para dizer o mínimo.

Não se questiona a importância do Plano Clima, nem tampouco o nível de ambição das metas já colocadas, mas sim os possíveis prejuízos e riscos aos setores produtivos.

O texto proposto confere excessiva concentração de responsabilidade e obrigações para o setor agropecuário, sobretudo ao atribuir ao mesmo as emissões referentes ao desmatamento ilegal. Isso é crime, não é cometido por produtores profissionais, e cabe ao governo combatê-lo.

Além disso, desconsidera as remoções de GEE em propriedades rurais, traz metas de redução de desmatamento legal sem incentivos correspondentes e utiliza bases de dados não oficiais para auditagem. Com isso, a responsabilidade atribuída ao setor rural passa a ser muito maior do que as emissões efetivamente relacionadas à produção agropecuária.

Errado e ruim para o Brasil todo, e não apenas para o agro. Como está, o Plano pode ser entendido como uma “confissão de culpa” que não temos, e que daria ao governo norte-americano, por exemplo, argumento para penalizar exportações brasileiras que extrapolem a agropecuária.

E a União Europeia pode mudar a classificação atual de “risco padrão” que temos no que diz respeito ao desmatamento para “alto risco”, o que seria um problema para nossas exportações para o Velho Continente.

Por tudo isso, é recomendável que o assunto seja mais bem discutido por todos os interessados, e sob critérios técnico-científicos, em busca de números corretos e justos, mesmo que seja depois da COP (Roberto Rodrigues é ex-ministro da Agricultura e professor emérito da Fundação Getúlio Vargas; Estadão)


Plano do governo Lula sobre clima desagrada agronegócio e cria tensão às vésperas da COP30 

Setor vê risco à imagem e ao desenvolvimento da área, mas ambientalistas defendem metas ousadas. Governo deve rever pontos da proposta.

Uma versão do Plano Clima para a Agricultura e a Pecuária elaborada pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva desagradou o setor às vésperas da COP-30, conferência das Nações Unidas que discutirá em Belém soluções para o aquecimento global. A série de documentos, liderada pelo Ministério do Meio Ambiente, prevê estratégias para cortar emissões de gases de efeito estufa para cada setor econômico.

Representantes do agronegócio, um dos principais motores da economia nacional, contestam os cálculos sobre a contribuição do setor para a poluição atmosférica. Veem ainda risco de prejuízo à imagem internacional do segmento, frequentemente alvo de críticas de produtores europeus.

Já ambientalistas apontam a necessidade de engajamento do setor, diante da alta de emissões do metano, o segundo principal gás causador da crise climática, e do desmatamento para criação de pastagem em biomas como Amazônia e Cerrado.

À reportagem, a pasta do Meio Ambiente diz trabalhar na revisão dos cálculos. Segundo o Estadão apurou, o governo já prevê reduzir em cerca de 30% o volume de emissões atribuídas ao agronegócio. Procurado, o Ministério da Agricultura não falou.

O governo federal fixou a meta de cortar em 67% as emissões de gases estufa em 2035, na comparação com os níveis de 2005, o que exigirá esforços de todos os setores. Por isso, elabora o Plano Clima para diversas áreas.

A versão preliminar do documento, alvo de críticas, prevê que a agropecuária reduza suas emissões em 36% até 2030 e até 54% para 2035. O modelo de cálculo para a meta é uma das principais críticas do agro.

O Plano Clima fixa em 813 MtCO₂ (toneladas de CO₂ equivalente, que é uma média de gases estufa) a quantidade de emissões sob responsabilidade do agronegócio, o que é contestado pelo setor.

A crítica está no fato de o plano incluir na conta desmates em assentamentos da reforma agrária e comunidades tradicionais. Também diz que são ignoradas remoções de gás carbônico em territórios protegidos em imóveis privados, como Reserva Legal (RL) e Área de Preservação Permanente (APP), e de mitigação por uso de bioinssumos e tecnologias de agricultura de baixo carbono.

Com isso, a agropecuária passa de segunda para principal emissora de gases estufa no Brasil, responsável por 70% das emissões.

No dia 24, a Sociedade Rural Brasileira (SRB) pediu, em nota, que o plano seja revisto e apresentado só após a COP-30. O governo, porém, descarta por ora a possibilidade de atender ao pleito, uma vez que o País quer ir à conferência com trabalho realizado.

A SRB argumenta que o documento pode prejudicar o setor no mercado global. Uma das preocupações é com o mercado europeu, que tem aumentado exigências ambientais para produtos comercializados com o bloco.

“O Plano Clima precisa ser pautado em consenso técnico, clareza metodológica e alinhamento político para assegurar sua efetividade e proteger a competitividade do agro brasileiro nos mercados globais”, disse na nota Sérgio Bortolozzo, presidente da SRB.

Em entrevista ao Estadão/Broadcast no dia 26, o vice-presidente da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Muni Lourenço, reforçou o pedido de revisão. Segundo ele, o plano traz “condições que limitarão o desenvolvimento do agro brasileiro”.

A avaliação da CNA é de que o plano afeta a imagem setor na COP-30. O ponto mais crítico para a entidade é a alocação do desmatamento legal e ilegal como responsabilidade do agronegócio, ou seja, no balanço de emissões do setor.

O agronegócio pede a revisão da metodologia por considerar que a gestão do desmate é de responsabilidade do governo, o que tem apoio do Ministério da Agricultura.

Conforme o Código Florestal, além das APPs, é obrigação do proprietário preservar um porcentual de 20% da propriedade para reserva legal, no caso do Cerrado, e 80% na Amazônia. Em áreas de transição de um bioma para o outro, o porcentual é de 35.

Para ambientalistas, o mero cumprimento da lei não deve entrar na conta de remoções do agronegócio.

Para a advogada Andreia Bonzo, uma das líderes do tema de Clima na Coalizão Brasil, o plano coloca o agro como vilão e não como parte da solução, o que é prejudicial. Ela opina que é preciso rever o cálculo e considerar as remoções de gases por meio de áreas preservadas.

“Se continuar com a narrativa de vilanização do agro, não consegue dar mais força para o agro verde, sustentável”, analisa.

Reação tardia

Após a repercussão no setor, o Ministério da Agricultura enviou à pasta do Meio Ambiente nota técnica em conjunto com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) defendendo alterar o plano. Segundo o texto, a abordagem usada diverge do padrão previsto pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), da ONU.

A Agricultura defendeu excluir da conta do agro emissões geradas por assentamentos e comunidades tradicionais, “prevenindo, assim, danos à imagem internacional dos produtos brasileiros e potenciais barreiras comerciais.” A pasta pediu ainda exclusão de emissões ligadas ao uso de combustíveis fósseis na produção.

A reação gerou desconforto dentro do governo, uma vez que o Ministério de Agricultura participou da confecção do plano que foi para consulta pública. Nos bastidores, a avaliação foi de que após as críticas do setor, a pasta tentou jogar o desgaste no colo do Meio Ambiente, embora tenha participado da discussão desde o início.

Em meio à repercussão, a pasta da Agricultura passou a atuar internamente para que a proposta inclua remoções de carbono da atmosfera em áreas preservadas pelo setor. A pasta não respondeu aos questionamentos da reportagem.

Redução do desmatamento legal

O Observatório do Clima, que reúne mais de 130 organizações da sociedade civil, enviou a carta ao Ministério do Meio Ambiente no dia 24 dizendo que o agro quer “comprometer a integridade das metas nacionais de redução de emissões do Plano Clima”.

A entidade pede que o governo endureça os critérios para que o setor contribua com a estratégia por meio da redução do desmatamento legal.

Na carta, defende que a contagem de remoções do agro considere a preservação só nos casos em que as propriedades preservem mais do que é exigido pelo Código Florestal, ou seja, reduzindo o desmate legal.

Dados compilados pelo MapBiomas mostram que entre 1985 e 2024 o Brasil perdeu 111,7 milhões de hectares em áreas naturais. O tamanho é maior do que o território da Bolívia. Ao mesmo tempo, a agropecuária se expandiu pelo País, de modo que o porcentual de municípios cuja maior parte do território é ocupada pela atividade saltou de 47% para 59%.

Na Amazônia no ano passado, apenas 2% da vegetação nativa era secundária, ou seja, de áreas que foram desmatadas e que agora estão em processo de regeneração.

“Já que as florestas desmatadas para fazer pasto continuam sendo pasto depois de 40 anos, é obvio que estão sendo usadas para a agropecuária”, diz o coordenador de Política Internacional do Observatório do Clima, Claudio Angelo.

Ele afirma que o setor tem práticas positivas, como remoções de carbono do solo por meio do manejo de pastagem, a serem consideradas. Mas rebate a defesa do agro de que a preservação de áreas protegidas por lei tenha que ser contabilizada.

“Se quiser entrar num esquema de pagamento por serviços ambientais, precisa zerar o seu desmatamento legal, porque aí abre mão do custo de oportunidade da terra para manter aquela floresta”, diz.

Governo deve rever pontos

O Plano Clima está passando por revisão do Ministério do Meio Ambiente e atenderá parte das reivindicações feitas pelo setor agropecuário. O Estadão apurou que as críticas feitas pelo OC ainda não foram objeto de análise.

Segundo o secretário Nacional de Mudança do Clima da pasta, Aloísio Lopes de Melo, o governo está sistematizando bases de dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), do Cadastro Ambiental Rural e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para excluir da conta do agro áreas de assentamento e territórios quilombolas.

“Dá para ter visão clara do que são assentamentos rurais, que têm participação importante, de fato, em termos de emissões e de desmatamento. Também dá para segregar territórios quilombolas, mas aí as áreas são menores com desmatamento é menor”, afirmou Melo ao Estadão.

No dia 30, foi apresentada proposta ao setor em reunião. Segundo a diretora executiva de Inovação, Negócios e Transferência de Tecnologia da Embrapa, Ana Euler, a mudança reduz as emissões para o agro.

“Da primeira versão apresentada para a versão atual, há redução de 30% das alocações das emissões de gases ligados ao efeito estufa ao setor”, afirmou Euler, ao Broadcast/Estadão.

Fontes da área ambiental do governo afirmam que apesar da revisão da proposta, a situação ainda não está pacificada. Com o impasse, o tema será discutido em reunião na Casa Civil para que a pasta bata o martelo sobre o modelo.

Remoções

Em relação à contabilização de remoções, o secretário Aloísio Melo diz que considera “pertinente” a reivindicação do agro e que há trabalho em curso sobre a metodologia, mas que não é uma resposta que venha “de hoje para amanhã”.

Ele afirma que a reformulação está passando por escrutínio de especialistas e sob comando do Ministério da Ciência. “A gente quer que todos os esforços sejam refletidos e capturados da melhor forma possível, com a melhor informação e ciência disponível.”

Segundo ele, as críticas serão levadas em consideração para pactuação de novo texto dentro do governo. “É um setor muito relevante para a economia do País e que tem de ter endereçamento, considerar seriamente as questões levantadas”, disse.

O secretário afirma que a intenção é aparar as arestas para que haja discurso uníssono na COP30 (Estadão)

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