Estratégia de fogo zero dificulta a sobrevivência de espécies e altera a paisagem do Cerrado

Pesquisa questiona política de proibição total de queimadas como ferramenta de manejo; efeitos sobre o ecossistema incluem acúmulo de serrapilheira e aumento do número de árvores em regiões que possuem características típicas de savana, e estão levando a mudanças morfológicas e fisiológicas em plantas do bioma

O noticiário sobre a ocorrência de fogo em ambientes naturais, em geral, está associado a imagens negativas, como amplas extensões de florestas queimando ou animais carbonizados. Mas, no caso das savanas, o uso controlado das chamas é reconhecido pelos estudiosos como uma importante ferramenta para a preservação. No Brasil, o Cerrado é um exemplo de bioma que, ao longo das décadas, tem sofrido com a supressão do regime natural do fogo.

Cerrado está distribuído em todas as regiões do país e ocupa nada menos que 25% do território nacional. O decréscimo no número de queimadas, nos últimos anos, resultou em um adensamento da vegetação, na forma de um aumento do número de árvores na paisagem, que, pouco a pouco, tomam o espaço anteriormente ocupado por gramíneas e arbustos. Devido às suas copas, essas árvores projetam sombras sobre áreas onde, até então, havia grande incidência de luz solar, ocasionando o desaparecimento de espécies típicas do Cerrado. Algumas dessas espécies só conseguem sobreviver às alterações na insolação porque experimentam uma mudança na quantidade de folhas que possuem, o que lhes permite tentar aproveitar, ao máximo possível, os raios solares que chegam até lá.

Esses foram alguns dos resultados observados por uma equipe de pesquisadores que, há dez anos, estuda o processo de adensamento de árvores no Cerrado, e que inclui os docentes da Unesp Davi R. Rossatto, da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, câmpus de Jaboticabal, e Rosana M. Kolb, da Faculdade de Ciências e Letras, câmpus de Assis.

A pesquisa teve início em 2014, com o projeto “Diversidade de estratégias ecofisiológicas em comunidades herbáceas de cerrado sensu stricto: um estudo de caso envolvendo distintas condições ambientais”, financiado pela Fapesp, que teve Rossatto como pesquisador responsável. Desde então, o grupo empenha esforços que envolvem a combinação de pesquisa de campo e de laboratório para compreender de que forma as políticas de fogo zero, que, por vários anos, predominaram no Brasil, estão afetando o Cerrado.

Segundo Kolb, o adensamento de árvores em áreas abertas do Cerrado tem dois desdobramentos principais: o primeiro é a redução da entrada de luz, que é essencial para o desenvolvimento de plantas herbáceas e gramíneas típicas do bioma. O segundo é o acúmulo de serrapilheira, que dificulta tanto o depósito de sementes na superfície do solo quanto o crescimento de plântulas após a germinação. “Embora esses efeitos já sejam conhecidos individualmente, ainda não havia sido feita uma análise conjunta dessas duas alterações ambientais principais: a redução de luz e o aumento do acúmulo de serrapilheira”, diz Rossatto.

Em um estudo recente, o grupo simulou as condições de sombreamento e serrapilheira de locais adensados para investigar se as plantas de locais abertos conseguem sobreviver a essas novas condições. Os pesquisadores constataram que, após passarem dois anos e meio expostas ao novo ambiente adensado, as plantas desenvolveram folhas maiores, mais finas e com maior concentração de pigmentos — todas características presentes em espécies que crescem sob limitação de luz. Os resultados foram publicados no artigo Woody encroachment and leaf functional traits of ground-layer savanna species, na revista científica Flora.

O fogo nem sempre é inimigo

Inicialmente, as queimadas surgiam apenas de circunstâncias naturais, como quedas de raios na vegetação, no início da estação chuvosa. As labaredas queimavam a matéria orgânica acumulada no ambiente, na forma, por exemplo, de folhas e galhos caídos, o que impedia o acúmulo desses materiais, que poderiam servir como alimentos para incêndios de grandes proporções, além de abrir espaço para o rebrote da vegetação nativa. Os povos indígenas que se estabeleceram no Cerrado brasileiro, e, depois deles, as comunidades tradicionais, entenderam os processos ecológicos associados ao fogo no bioma. O resultado foi a adoção do procedimento de queimadas controladas com diferentes objetivos. Entre eles, a limpeza da vegetação em uma área para fins de agricultura ou outros, e o estímulo ao rebrote e à frutificação de espécies vegetais. Ao longo do tempo, essa interferência contribuiu para moldar a paisagem e a biodiversidade do bioma, tais como as conhecemos hoje.

É importante destacar que as queimadas têm um caráter diferente dos incêndios. Enquanto as primeiras ocorrem em um contexto planejado e controlado, proporcionando benefícios para o bioma e as pessoas que lá residem, incêndios acontecem de forma indiscriminada, muitas vezes com a intenção de conversão de terra para a agropecuária, atividade considerada a principal ameaça ao ecossistema.

Folhas maiores não são suficientes

Para mensurar as consequências de décadas de supressão de fogo, os pesquisadores elaboraram um experimento em campo, na Estação Ecológica de Assis, que simula as condições do adensamento de árvores. Para isso, o primeiro passo foi determinar o nível de sombreamento e a quantidade de serrapilheira acumulada no solo em locais com grande presença de árvores.

Como resultado, os pesquisadores encontraram parcelas em que parte da comunidade vegetal havia desaparecido, por não ser capaz de persistir sob as novas condições, e aquelas que sobreviveram apresentavam diferenças anatômicas e, como eles descobriram após os levantamentos em campo e os testes de laboratório, fisiológicas também.“Observamos que, ao analisar as características funcionais, como a capacidade fotossintética, o fator mais importante é o sombreamento. É a ausência de luz que vai filtrar as características da comunidade”, diz Pedro Firme da Cruz Júnior, doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Biologia Vegetal Interunidades. A análise das respostas das plantas às alterações do ambiente foi resultado do mestrado de Pedro, realizado sob a orientação de Kolb.

Cruz Júnior explica que o grupo escolheu trabalhar com as folhas porque elas são o órgão da planta que apresenta mais plasticidade, ou seja, adaptam-se mais rapidamente às diferentes condições a que são expostas. “A planta consegue perceber algumas mudanças ambientais e expressar isso através da anatomia das folhas, por exemplo. Esse é um importante registro das mudanças que a planta experimentou”, diz o doutorando.

Leia a reportagem completa no Jornal da Unesp

Related Posts

  • All Post
  • Agricultura
  • Clima
  • Cooperativismo
  • Economia
  • Energia
  • Evento
  • Fruta
  • Hortaliças
  • Meio Ambiente
  • Mercado
  • Notícias
  • Opinião
  • Pecuária
  • Piscicultura
  • Sem categoria
  • Tecnologia

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Edit Template

Quer receber notícias do nosso Diário do Agro?
INSCREVA-SE

You have been successfully Subscribed! Ops! Something went wrong, please try again.

© 2024 Tempo de Safra – Diário do Agro

Hospedado e Desenvolvido por R4 Data Center