Reforma Tributária: O fim da cumulatividade e início da gestão estratégica

Edson Kawabata analisa os efeitos do fim da cumulatividade e início da gestão estratégica do agro na reforma tributária

Por Edson Kawabata

A promulgação da Lei Complementar 214/2025, marcou um divisor de águas na tributação do agronegócio brasileiro. Antes dessa reforma, produtores e agroindústrias trabalhavam em um sistema fragmentado e cumulativo: PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS incidentes sobre insumos, serviços e comercialização, criando a temida “cadeia em cascata” — tributos sobre tributos — que corroíam margens, elevavam preços e exigiam cruzamento de créditos quase inexistente. Fertilizantes, sementes e defensivos, por exemplo, poderiam estar isentos em alguns estados, mas transporte, armazenagem e arrendamento não tinham alívio.

Com a LC 214/2025, foi instituído o IVA dual, composto pela CBS (tributo federal) e o IBS (estadual/municipal), além do Imposto Seletivo sobre produtos nocivos. Essas mudanças significaram a substituição dos impostos antigos por uma estrutura não cumulativa, em que cada tributo pago gera crédito passível de abatimento ou restituição.

Esses créditos funcionam como um saldo que o produtor acumula toda vez que paga imposto na compra de insumos, serviços ou produtos. Esse valor pode ser usado para abater o imposto na venda ou, se sobrar, pode ser solicitado como ressarcimento. A lógica mudou: agora paga-se imposto apenas sobre o valor adicionado em cada etapa, com destaque em nota fiscal e compensação nos estágios seguintes.

Para produtores com faturamento inferior a R$ 3,6 milhões ou integrados, há ainda a opção de não serem contribuintes, mantendo o crédito presumido na cadeia.

A aplicação dos tributos foi segmentada e as alíquotas foram redistribuídas, trazendo mudanças significativas para o agronegócio. Insumos agrícolas e aquícolas, que antes tinham carga tributária próxima de zero, por serem isentos de PIS/Cofins e, em muitos casos, também de ICMS, agora passam a ser tributados com uma alíquota efetiva de 10,6%, que, apesar de ser menor do que a alíquota cheia de 26,5%, representa um aumento relevante quando comparado ao cenário anterior sem incidência.

Já os produtos da cesta básica — como arroz, leite, ovos, carnes, frutas e hortifrutis — passaram de um regime que variava entre isenção parcial, redução de base ou crédito presumido dependendo do estado, para uma isenção total de IBS e CBS, garantindo competitividade, redução de preços e incentivo à produção desses alimentos.

No entanto, essa transição exige um avanço significativo na gestão tributária dos produtores, que agora precisam controlar rigorosamente os créditos fiscais, acompanhar o momento exato em que poderão utilizá-los e, além disso, enfrentar desafios no fluxo de caixa, uma vez que os créditos só podem ser usados após o recolhimento do imposto pelo fornecedor, o que cria um descompasso temporal entre o pagamento e o aproveitamento do crédito.

Soma-se a isso o fato de que serviços que antes tinham carga reduzida eram desonerados ou até mesmo isentos — como transporte, armazenagem, secagem, beneficiamento e arrendamento — agora passam a ser tributados pela alíquota cheia de 26,5%, o que pressiona diretamente os custos operacionais da fazenda e da agroindústria, principalmente nas cadeias mais dependentes desses serviços.

Já nos impactos, cada segmento sentirá efeitos distintos. No caso dos produtores de grãos — como soja, milho, trigo, arroz e outros cereais —, o efeito da reforma é bastante sensível. Esse é um setor que tradicionalmente operava com margens apertadas, fortemente dependente de insumos como fertilizantes, defensivos, sementes e combustíveis, que antes, na maioria dos casos, tinham carga tributária praticamente zero, por serem isentos de PIS/Cofins e, em muitos estados, também de ICMS.

Com a reforma, esses insumos passam a ter uma alíquota de 10,6%, o que representa um aumento real quando comparado ao regime anterior sem tributação, embora ainda seja menor do que a alíquota cheia de 26,5% aplicada a outros setores.

O ponto mais crítico aparece na cadeia logística: transporte, armazenagem, secagem e beneficiamento — que são atividades essenciais na comercialização de grãos — passam agora a ser tributados pela alíquota cheia de 26,5%, algo que antes, muitas vezes, era isento ou tinha redução significativa dependendo da região.

Isso obriga o produtor a administrar créditos sobre esses serviços, o que demanda fluxo de caixa mais robusto e controles contábeis muito mais precisos, já que o crédito só pode ser utilizado após o imposto ser efetivamente recolhido pelo fornecedor. Esse descompasso entre o pagamento imediato pelos serviços e o uso posterior do crédito pode impactar diretamente na competitividade e na liquidez da operação agrícola.

Na pecuária — bovinos, suínos e aves —, a lógica é semelhante. As vendas desses produtos passam a ter uma alíquota reduzida de 10,6%, quando antes, em muitos casos, havia isenção parcial, crédito presumido ou até carga zero dependendo do estado e do produto.

No entanto, a cadeia é extremamente dependente de insumos como ração, medicamentos, vacinas, energia elétrica e uma série de serviços especializados, que agora são tributados também pela alíquota de 10,6% nos insumos e 26,5% nos serviços, o que exige um controle muito rigoroso dos créditos e um planejamento tributário eficiente, pois qualquer erro ou descompasso impacta diretamente na margem do produtor, que já opera em um mercado altamente volátil e sensível a custos.

Por outro lado, setores como leite, ovos, frutas e hortifrutigranjeiros foram altamente favorecidos. Esses produtos entraram na cesta básica nacional, ficando com alíquota zero. Isso significa que não pagam imposto na venda e ainda acumulam créditos sobre insumos e serviços, elevando consideravelmente suas margens e tornando seus negócios mais competitivos.

As cooperativas ganham ainda mais importância, pois conseguem consolidar os créditos dos associados e maximizar os benefícios fiscais, especialmente para os pequenos produtores. Já as exportadoras passam a contar com a suspensão de impostos na compra de insumos e serviços destinados à exportação por até 180 dias, o que melhora o fluxo de caixa e torna os produtos brasileiros mais competitivos no mercado externo.

Resumidamente, quem produz alimentos básicos sai fortalecido, enquanto quem depende muito de serviços logísticos e insumos específicos, como grãos e carnes, precisará de gestão tributária mais rigorosa para não perder margem.

Dessa forma, pequenos produtores devem avaliar cuidadosamente o regime de não contribuintes, pois, embora simplifique, pode reduzir créditos valorizados por cooperativas e compradores, aumentando custos de saída de mercado.

O setor tende a investir mais em gestão contábil e tecnológica, implementando ERPs para rastrear insumos, tributos e créditos, evitando perdas e multas.

Cooperativas e exportadoras terão papel estratégico, unindo forças para compras coletivas e aproveitando os diferimentos e suspensões tributárias, incluindo a gestão de prazos no comércio exterior. Por fim, o redirecionamento produtivo para produtos como leite, ovos e hortifrutis pode compensar perdas e fortalecer receita e margem.

Em resumo, a LC 214/2025 representa um marco positivo ao trazer carga zero para itens da cesta básica, menor cumulatividade e créditos despontando como ferramenta de alívio tributário. Porém, exige maturidade do agro: disciplina na gestão financeira, organização tecnológica, estratégias comerciais e advocacia pública.

Quem conseguir navegar pela complexidade dos créditos, ajustar o mix de produção e fortalecer sua estrutura de gestão sairá em vantagem nesse novo cenário do agronegócio brasileiro (Edson Kawabata é Sócio-Diretor de Novos Negócios da Peers Consulting + Technology)

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