Negligência do governo ameaça tornar COP30 a mais excludente da história

Falta de solução para crise de acomodações em Belém é antítese do “mutirão” proposto pelo Brasil e lança dúvida sobre legitimidade da própria negociação.

A poucos dias da COP30, com o multilateralismo em frangalhos, as ameaças crescentes de Donald Trump ao clima e à economia global, o hemisfério Norte enfrentando novos recordes de calor e o aquecimento da Terra no rumo de ultrapassar 1,5o C permanentemente, a discussão sobre a conferência de Belém está sendo monopolizada pelo único tema que deveria ser um não-assunto: a infraestrutura hoteleira.

A negligência do governo federal e do governo do Pará, que tiveram dois anos e meio para equacionar a questão das acomodações na cidade e não o fizeram, transformaram esse tema numa bomba que explodiu agora, com países pedindo mudança de sede e observadores da sociedade civil dizendo que não terão condições de vir.

Sem uma solução imediata para a crise, a COP no Brasil arrisca ser a mais excludente da história, com redução no número de delegações nacionais, de membros de órgãos constituintes e outros observadores e da imprensa. A expectativa de fazer a “COP do povo” em Belém, com mobilização maciça pelo clima, se desfaz: os custos proibitivos de hospedagem reduziram e ainda reduzirão mais o número de representantes da sociedade civil global que comparecerão. Agora a corrida é para que líderes mundiais não boicotem a conferência e para que todos os países possam mandar delegações completas.

Uma redução no número de delegados impactaria a própria legitimidade do que for negociado em Belém, dando aos países que não querem ver o Acordo de Paris prosperar a desculpa perfeita para atrapalhar a negociação. Uma COP esvaziada seria, além de um vexame histórico para o Brasil, uma preciosa oportunidade perdida para a humanidade num momento em que temos apenas cinco anos para manter viva a meta de temperatura do acordo do clima.

Não foi por falta de aviso. Desde quando se ofereceu para sediar a COP30, o governo brasileiro sabe quais são as demandas logísticas da conferência – que não se confundem com as de outros grandes eventos realizados em Belém. A cidade, como seria o caso com quase todas as outras capitais do Brasil, deveria ter sido adaptada à COP.

Em vez disso, porém, o ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT-BA), responsável pela logística, e o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), adotaram a estratégia de adaptar a COP à cidade – e reputar qualquer questionamento sobre infraestrutura a “preconceito” contra o Pará e seu povo.

Isso ficou patente em fevereiro deste ano, quando já havia uma crise de hospedagem evidente e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sugeriu que os delegados dormissem “sob as estrelas”. Já naquele mês começou a ser prometida a plataforma digital de meios de acomodação, que segundo o governo ficaria pronta “em algumas semanas”. 

Em 30 de março, o secretário extraordinário da Casa Civil para a COP30, Valter Correa, ofendeu embaixadores ao sugerir que os países reduzissem delegações. Também foi sugerido que os delegados dividissem quartos. Mais uma vez a plataforma foi prometida para dali a “algumas semanas”.

Em 19 de junho, na conferência de Bonn, o Brasil foi duramente questionado por países ricos e pobres e pela sociedade civil internacional, mas limitou-se a garantir que haveria acomodação para todos e que a plataforma estaria no ar no fim de junho. Ela entrou no ar em agosto, com preços ainda inacessíveis para a maior parte dos delegados. Até agora não há resposta sobre acomodações para os observadores. 

O governo teve tempo para construir hotéis e trazer navios, entre outros itens que compõem as necessidades da conferência. Fez menos do que o necessário. Contou com a dedicação e extrema paciência da população local, que agora é cobrada injustamente sobre os preços extorsivos das acomodações.

Estes são decorrentes da negligência do poder público, que ora lava as mãos e chama abuso de “lei da oferta e demanda”. Agora o Brasil recebe dos países ameaças de boicote e pressões para tirar a COP da Amazônia e corre dolosamente o risco de perder uma oportunidade para o Pará, o país e o planeta (Observatório do Clima)


Países em desenvolvimento analisam reduzir número de representantes na COP30 LOGO COP30

·         Nações discutem enviar delegação enxuta para a cúpula do clima devido ao custo da hospedagem

·         Até 25 de setembro, 87 países tinham garantido hospedagem em Belém, menos da metade do esperado para o evento

Enquanto trabalhadores em Belém (PA) correm para terminar a tempo um novo centro de convenções que sediará a COP30, cúpula climática das Nações Unidas que ocorre em novembro, os representantes dos países mais vulneráveis ao aquecimento global estão preocupados com sua capacidade de participar de negociações vitais para seu próprio futuro.

As acomodações em Belém são escassas e os preços estão altos. Embora os organizadores estejam redobrando os esforços para garantir mais acomodações, representantes de países em desenvolvimento dizem que estão considerando reduzir sua presença no evento deste ano, o que reduziria também sua visibilidade e seu poder de negociação.

Evans Njewa, uma autoridade do Maláui que preside o Grupo dos Países Menos Desenvolvidos sobre Mudanças Climáticas, disse que “um número significativo de negociadores” de seus mais de 40 estados-membros “podem não comparecer ou estar presentes no Brasil apenas por alguns dias” devido a problemas de acomodação, embora os países ainda estejam explorando suas opções, acrescentou.

Ilana Seid preside a Aliança dos Pequenos Estados Insulares, uma coalizão de 39 pequenas nações insulares e costeiras em desenvolvimento.

O grupo está “frustrado e preocupado com o nível de progresso” na logística da conferência, disse Seid, que é natural de Palau, nação do Pacífico Ocidental, onde a elevação do nível do mar e o aquecimento das temperaturas oceânicas representam grandes ameaças.

Alguns países desenvolvidos também estão recuando, com um deles citando a escassez de quartos e a necessidade de controlar custos como um dever com os contribuintes. A ministra holandesa de Política Climática e Crescimento Verde, Sophie Hermans, afirmou que a Holanda estará na COP30, mas com uma participação menor do que no ano passado.

“Estamos indo lá [COP30] por uma questão grande, uma questão muito importante —clima e energia”, disse Hermans. “Mas também temos que pensar nos custos porque, bem, para o público na Holanda, e no mundo todo, estar ciente dos custos de participar desse evento e de quem vai pagar por eles é muito importante.”

Quando as reuniões da COP começaram, há mais de três décadas, cientistas e diplomatas cabiam em um único hotel, mas as cúpulas agora atraem dezenas de milhares de pessoas por pelo menos duas semanas, atraindo líderes globais e uma mistura eclética de atores de Hollywood, ativistas, lobistas de combustíveis fósseis e consultores corporativos.

Belém, uma cidade de cerca de 1,5 milhão de habitantes na amazônia, vem expandindo sua limitada capacidade hoteleira, e os organizadores da COP30 garantiram quartos adicionais para o evento incluindo na equação navios de cruzeiro. Mas os preços de hospedagem praticados pelo mercado hoteleiro da região dispararam, rivalizando com os de hotéis de luxo no Rio de Janeiro.

No mês passado, os organizadores da conferência enviaram uma carta de 19 páginas a vários países para responder a dezenas de perguntas recebidas. Quase metade delas era sobre o alto custo e a baixa disponibilidade de hospedagem. Os organizadores rejeitaram a ideia de transferir a cúpula.

O presidente da COP30, André Corrêa do Lago, garantiu, em uma entrevista recente, que os países em maior risco climático poderão participar das negociações na COP30. O Brasil reservou 15 quartos para cada uma das 73 nações classificadas pela ONU como países menos desenvolvidos e pequenos Estados insulares em desenvolvimento, afirmou ele. As diárias desses quartos são inferiores a US$ 200 (cerca de R$ 1.060).

Até 25 de setembro, apenas 87 países haviam garantido acomodações em Belém, menos da metade dos 196 participantes esperados.

Corrêa do Lago disse que isso não é surpreendente. “Não há muita tradição de confirmar com antecedência”, disse ele. “Alguns ainda não finalizaram seus pacotes de hospedagem, mas as negociações estão em andamento.” Os organizadores disseram em agosto que haviam mapeado 53 mil leitos em Belém e áreas próximas.

Blocos de 15 quartos de hotel não acomodariam as delegações que alguns países insulares e menos desenvolvidos enviaram para a reunião do ano passado. Palau enviou 41 delegados para a COP29, enquanto o Sudão do Sul, uma das nações mais pobres da África, teve 56 delegados, mostram documentos da ONU. Os EUA, sob o governo Biden, enviaram 234 pessoas, e o Brasil, 649.

Richard Muyungi, da Tanzânia, que preside o Grupo Africano de Negociadores, disse que as delegações nacionais africanas geralmente variam de 60 a 100 pessoas e isso não inclui outros participantes importantes, como a sociedade civil e líderes de comunidades tradicionais. “Essas são as pessoas necessárias para fazer parte do cenário global em um fórum como esse”, disse Muyungi.

Muyungi disse estar determinado a garantir que outros consigam acomodações. “Serei o último”, disse ele. “Eu disse aos meus colegas que preciso garantir que todos tenham acomodação antes mesmo de tentar.”

Se os países pobres e vulneráveis reduzirem suas delegações, a COP30 —projetada para destacar a desigualdade na região amazônica— poderá acabar, ironicamente, sendo menos inclusiva do que as COPs anteriores em centros mais luxuosos como Dubai. E isso poderá afetar o curso das próprias negociações.

O envio de grandes delegações permite que os países tenham certeza de que terão um representante em cada uma das várias mesas onde as negociações estão ocorrendo simultaneamente durante o encontro.

Parte da transmissão da sua mensagem em uma COP são “as conversas bilaterais e paralelas que você mantém com os países para avançar em alguns aspectos”, disse Jake Schmidt, diretor estratégico sênior para o clima do Conselho de Defesa dos Recursos Naturais, em Washington, D.C. “Delegações pequenas não conseguem fazer isso.”

Ter um grupo considerável também significa que os delegados podem se revezar e se manter descansados durante as negociações de duas semanas, que quase sempre se estendem além do tempo previsto, forçando os diplomatas a negociar durante a noite para chegar a um acordo antes que representantes de países importantes sejam forçados a sair.

“Há uma estratégia de negociação para alguns países que é mais ou menos assim: desgastar as coisas”, disse Schmidt. “Aí você joga algo na mesa no último minuto e todo mundo fica tão cansado que seus ministros têm que ir embora e eles simplesmente aceitam.”

No passado, delegações inteiras abandonaram mesas de negociação antes de chegarem a um acordo porque seus voos estavam partindo e elas não tinham condições de estender suas passagens ou pagar por mais diárias de hotel. Em 2009, a COP15 em Copenhague fracassou em parte porque os delegados não conseguiram chegar a um acordo a tempo.

“Você se depara com a questão de quem vai pagar a conta”, disse Seid. “Quem vai pagar pela prorrogação dos prazos?” (Bloomberg)



Empresa cobra R$ 2 milhões para ‘hospedar’ aviões na COP30

Empresa diz que valor reflete estrutura de custos

·         Ministérios e Anac pressionam aeroporto para tentar reduzir preço, considerado o mais caro do mundo

A Casa Civil da Presidência da República e o Ministério de Relações Exteriores fizeram um levantamento para pressionar a Líder, empresa que faz táxi aéreo no aeroporto de Belém (PA), a baixar o preço do pacote para as delegações estrangeiras que, eventualmente, vierem com aviões particulares para a COP30.

A empresa está cobrando US$ 400 mil (R$ 2,1 milhões) para “hospedar” as aeronaves em seu hangar, valor mais caro do mundo, segundo o levantamento do governo. A preocupação no Planalto é de que essa cobrança inviabilize a vinda até de delegações já confirmadas.

Consultada, a Líder não confirmou os valores e disse que sua precificação reflete os custos envolvidos.

A Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) foi acionada pelo Ministério de Portos e Aeroportos e entrou em contato com a administração do aeroporto de Belém (PA) para que ela converse com a Líder.

Consultada, a agência confirmou a situação, mas disse que não pode interferir nesses preços. Mesmo assim, informou que está em contato com a administração do aeroporto para entender os valores dessa cobrança.

Hospedagem

Até o momento, somente o preço dos hotéis e de imóveis para locação eram entraves ao evento. Na semana passada, o ministro Rui Costa (Casa Civil) disse, durante visita a Belém, que o governo federal acionará a Justiça contra preços abusivos cobrados durante a COP30.

Uma crise de hospedagem afeta a cidade desde o início do ano e gerou crise diplomática com alguns países.

Segundo levantamento da Defensoria Pública do Estado do Pará obtido pela Folha, as plataformas Booking.com e Agoda veiculam anúncios de hotéis em Belém com diárias até 20 vezes mais caras que no período do Círio de Nazaré.

No período da procissão, que atrai fiéis de todo o Brasil, as diárias para um quarto com duas camas saem por R$ 5.143, segundo o levantamento. Para a COP30, a reserva está custando R$ 105,9 mil, alta de 1.976%

Pacote reflete custos, diz Líder

A Líder, empresa mencionada pela NOA, não confirmou os valores e disse que não comentaria a intenção do governo para que reduza os valores.

“A composição de valores praticados para atendimento aeroportuário atende a aspectos técnicos como porte da aeronave, tipo de serviços prestados, equipamentos de apoio que serão necessários, tempo de pátio da aeronave no aeroporto, outras demandas de serviços. Desta forma, não é assertivo fazer uma suposição de valores, tendo em vista que cada cliente apresentará uma demanda específica”, disse em nota.

“Os valores a serem praticados serão compatíveis com a operação, considerando que a Líder Aviação fez investimentos relevantes de infraestrutura, logística e equipe para prestar serviços de atendimento aeroportuário durante a COP30.”

A companhia informou que, até o momento, não forneceu cotação oficial para aeronaves interessadas em participar da COP30.

A concessionária Norte da Amazônia Airports (NOA), que administra o aeroporto internacional de Belém, afirmou que contratou a Líder devido a seu reconhecimento pela atuação em grandes eventos internacionais no Brasil.

A concessionária afirmou desconhecer o valor fixado pela Líder de US$ 400 mil por aeronave.

Consultado, o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, não respondeu até a publicação desta reportagem (Folha)

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