Tarifaço, desafios e a comunicação do setor foram temas em debate no evento, em São Paulo.
A geopolítica e as novas pressões mercadológicas sobre o agronegócio brasileiro estiveram no centro do debate durante a segunda edição do evento “Vozes do Agro”, realizado pela Globo Rural e Valor nesta terça-feira (19/9) em São Paulo. Com a participação de produtores rurais, executivos de grandes, médias e pequenas empresas e representantes de entidades setoriais, governo, ciência e academia discutiram os principais obstáculos para o setor no mercado mundial e pensaram coletivamente nos caminhos para se aproveitar as oportunidades de negócios do setor.
Em painel de abertura do encontro, mediado por Patrick Cruz, editor-chefe da Globo Rural, líderes setoriais e representantes do governo apresentaram exemplos do trabalho desenvolvido pelo agronegócio brasileiro para destravar barreiras aos produtos nacionais, especialmente após o tarifaço imposto pelo governo dos Estados Unidos às exportações brasileiras.
Roberto Perosa, presidente da Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carne (Abiec), afirmou que, mesmo com o tarifaço, as vendas de proteínas bovinas para os EUA ainda apresentam bons resultados. “Reduzimos nossa previsão de impacto das tarifas de US$ 1 bilhão de dólares para até US$ 400 milhões, porque continuam consumindo nossa carne”, afirmou.
Perosa lembrou que o mercado americano vive seu menor ciclo pecuário em 80 anos, com uma demanda imensa pelo produto brasileiro, necessário para fazer blends com cortes de gado de clima temperado, especialmente para carne moída. “Nossa carne é zebuína, mais magra. Os EUA não têm essa carne, e não há tem outro fornecedor que tenha na quantidade que o Brasil fornece”, destacou.
O presidente da Abiec também declarou que autoridades americanas já estão demonstrando preocupação com os efeitos que as tarifas estão causando na inflação do país. “A necessidade é clara e eles querem carne, o que existe é um embate político que precisa ser resolvido”, afirmou.
A pressão que as tarifas estão exercendo sobre o consumo americano de café foi destacada por Marcos Matos, diretor-executivo do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé).
“Os Estados Unidos são o maior consumidor de café do mundo, 76% da população do país toma café. E só nós podemos abastecer esse mercado”, declarou. Devido ao tarifaço, as exportações de café aos EUA caíram 46% em agosto. “Setembro será ainda mais difícil”, afirmou.
Reputação
Um dos desafios destacados pelos debatedores é enfrentar a má reputação que agentes do mercado divulgam do agro brasileiro, motivado, em boa parte, por medo da concorrência, segundo os participantes. “Nos EUA, há muito lobby para cadeias em que há produção local, como etanol e carne”, disse o diretor-executivo do Cecafé, que presenciou recentemente, em audiência pública nos Estados Unidos, diversos ataques à produção agrícola brasileira.
Ricardo Santin, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), destacou que o crescimento do agronegócio brasileiro no cenário mundial desperta temor por outros grandes players. “Há 50 anos éramos importadores de alimentos. Hoje, no frango, por exemplo, somos os maiores exportadores, derrubando uma posição que os EUA dominavam”, explicou.
Santin lembrou da necessidade de mostrar a realidade da produção agropecuária do Brasil para os compradores internacionais, que muitas vezes deixam-se levar por narrativas contrárias aos interesses brasileiros. Um exemplo foi o recente trabalho junto com as Filipinas, que aceitaram a regionalização das suspensões de compras de produtos avícolas brasileiros, após terem embargado as importações do país inteiro diante do caso de gripe aviária em granja comercial em maio no Rio Grande do Sul.
“Nós mostramos para eles que, por exemplo, de Montenegro, no Rio Grande do Sul, onde ocorreu o caso, até Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso, são 2.400 quilômetros. E estavam fechando o país inteiro. Eles entenderam a situação e mudaram sua política, e vamos fazer isso com outros países também”, afirmou.
Carlos Augustin, assessor especial do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), disse que o Brasil está pagando o “preço da competência”. “Não existem causas reais contra nosso agronegócio, sofremos retaliações de países tentando exercer um poderio mundial por meio de tarifas e argumentações descabidas”, declarou.
Augustin defendeu que, para defender-se de acusações contra o agronegócio nacional, os exportadores brasileiros precisam garantir mais certificações internacionais de sustentabilidade. “Nossa missão é provar, certificar, mostrar o que é e não é no agro”, disse. O assessor do Mapa destacou que o governo lançou a Plataforma Agro Brasil + Sustentável, onde os compradores terão acesso a detalhes sobre sustentabilidade da produção agrícola nacional.
No entanto, Perosa, da Abiec, argumentou que as demandas internacionais precisam ser “filtradas” pelos setores exportadores.
“Às vezes, quem tem interesse em prejudicar o agro brasileiro tenta criar empecilhos. Não podemos nos render a essas narrativas. O importador chinês, por pressão, pode exigir certificações, mas o público chinês quer garantia de comida no prato”, destacou.
Matos, do Cecafé, conclui destacando a necessidade do agro brasileiro mostrar sua narrativa para o público internacional. “Temos que publicar estudos em revistas internacionais, provando que nossa produção é carbono negativo, por exemplo, e nos antecipando a possível cobranças para acessar mercados.
Comunicação estratégica
No encerramento do evento, o publicitário Nizan Guanaes, fundador e CEO da N.Ideias, falou sobre as estratégias de comunicação que o agronegócio brasileiro precisa adotar para ser reconhecido como o mais sustentável do mundo. Para Guanaes, “não faltam argumentos” ao setor para justificar sua excelência e a percepção de que o agro tem uma imagem negativa na sociedade brasileira é uma “afirmação sem fundamento”, destacando que faltam estudos aprofundados para entender a visão da população. “É preciso pesquisar para saber os problemas reais, e não os imaginários”, afirmou.
Ainda segundo o publicitário, a oposição que a agropecuária brasileira sofre no exterior está justamente ligada à condição de destaque alcançada no cenário internacional. “É preciso escolher ser líder ou ser amado. Ninguém conquista o mundo inteiro sem sofrer oposição”, destacou (Globo Rural)