Conversa bioquímica no milharal faz plantas resistirem a doenças

Por Reinaldo José Lopes

Molécula produzida por pé de milho altera micróbios nas raízes e ativa defesas.

Do nosso ponto de vista enviesado de primatas, mamíferos e animais, criaturas ambulantes e sociais por excelência, poucas coisas parecem mais passivas do que um vasto milharal. As aparências, porém, como você já devia saber, enganam.

Os indivíduos que compõem uma plantação, assim como quaisquer outros vegetais, reagem o tempo todo à presença uns dos outros, ao solo, aos insetos, vermes, fungos e vírus que estão tentando arrancar uma casquinha de seu organismo. E a complexidade dessa reação, que envolve até “conversas” entre as plantas, pode acabar fazendo a diferença inclusive para a agricultura intensiva e mecanizada.

É isso, em suma, o que mostra uma intrigante pesquisa publicada na semana que passou. Coordenado por uma dupla de pesquisadores chineses –Jianming Xu e Lingfei Hu, da Universidade de Zhejiang–, o trabalho investigou o que acontece quando se aumenta a densidade de plantas num milharal.

Tracemos aqui uma analogia com o que vemos numa população humana. Empacotar muita gente num espaço exíguo pode aumentar a competição por recursos e o nível de estresse, por exemplo. Também tende a facilitar a transmissão de patógenos (causadores de doenças), pelo simples fato de que o ajuntamento de indivíduos diminui a distância que eles têm a percorrer: um único espirro pode respingar em várias pessoas de uma vez só, por exemplo.

Bem, muitos desses fatores afetam um grande ajuntamento de plantas da mesma espécie. O que a equipe chinesa fez foi testar como os pés de milho acabavam interagindo entre si e com as pragas dessa lavoura dependendo da densidade de plantas no milharal.

Para isso, plantaram milho em duas densidades diferentes: 60 mil pés por hectare versus 120 mil pés por hectare. Primeiro resultado interessante: as plantas do “miolo” do milharal com alta densidade sofriam menos ataques de pragas do que as das bordas do milharal, embora também crescessem menos. Por outro lado, não havia esse efeito na plantação com menor densidade.

Os resultados se repetiram em novos testes, mostrando que danos por insetos, vermes, fungos e vírus eram sempre menores nas densidades mais altas. O “efeito miolo” sugeria que a causa estava ligada à própria proximidade entre as plantas. E isso levou a equipe a estudar os efeitos do linalol, a mais abundante molécula volátil (ou seja, que se evapora com facilidade) produzida pelos pés de milho.

Acontece que o linalol tende a se acumular no ambiente quando a densidade das plantas aumenta. E pés de milho geneticamente modificados para não produzir a molécula não contavam com o efeito protetor contra patógenos trazido por ele –mas era possível replicar esse feito simplesmente borrifando os vegetais com linalol sintético.

Mais análises mostraram que a molécula volátil, ao atingir as plantas vizinhas, desencadeava a ativação de hormônios vegetais que afetavam as raízes dos pés de milho. Isso, por sua vez, alterava a comunidade de micróbios associados às raízes e ativava as defesas naturais da planta contra pragas, ao mesmo tempo em que restringia um pouco seu crescimento.

As descobertas podem ajudar a enfrentar pragas da lavoura de forma mais inteligente no futuro, é claro. Desde já, porém, elas revelam que a complexidade das relações ecológicas não desaparece mesmo num ambiente criado pela agricultura mecanizada. Não dá para fugir da teia da vida (Folha)

Related Posts

  • All Post
  • Agricultura
  • Clima
  • Cooperativismo
  • Economia
  • Energia
  • Evento
  • Fruta
  • Hortaliças
  • Meio Ambiente
  • Mercado
  • Notícias
  • Opinião
  • Pecuária
  • Piscicultura
  • Sem categoria
  • Tecnologia

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Edit Template

Quer receber notícias do nosso Diário do Agro?
INSCREVA-SE

You have been successfully Subscribed! Ops! Something went wrong, please try again.

© 2024 Tempo de Safra – Diário do Agro

Hospedado e Desenvolvido por R4 Data Center