Por William Waack
Lula disse que teima em negociar com os Estados Unidos, mas na prática não há negociação alguma, especialmente na área política.
O pacote de ajuda do governo Lula a exportadores atingidos pelo tarifaço de Donald Trump é apenas um paliativo, um analgésico de efeito limitado para uma dor que não tem solução à vista. Certamente existirão efeitos – ainda que não sejam bombásticos – sobre a política fiscal do governo brasileiro, pois o socorro é o clássico linhas de crédito e renuncias fiscais, em troca da promessa de manutenção de empregos, que não se sabe se realmente será cumprida.
No entanto, não é a questão fiscal a que mais preocupa. Nesta quarta-feira (13), o governo americano aumentou a escalada de ações contra o Brasil, ao cassar o visto de servidores públicos que estiveram envolvidos no programa Mais Médicos, descrito pelo secretário de Estado americano, Marco Rubio, como ajuda irregular para gerar divisas para uma ditadura comunista – o Mais Médicos teve grande participação de médicos cubanos.
Lula disse que teima em negociar com os Estados Unidos, mas na prática não há negociação alguma, especialmente na área política. O governo americano está se pautando, em boa medida, pela ação do deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) em nome de seu pai, Jair Bolsonaro (PL), que foram procurar em uma potência estrangeira ajuda para livrar o ex-presidente de seus processos e obter uma mudança política no Brasil, uma mudança de regime, como se diz.
Nessa situação, Lula demonstra acreditar que ficar sem tentar linha direta com Trump é mais vantajoso do ponto de vista político eleitoral – sua maior preocupação – e que os americanos vão acabar sofrendo mais do que os brasileiros com o tarifaço e suas consequências.
Tudo isto é um autoengano político (CNN Brasil)
O País está sofrendo, Lula acha que está ganhando
Por William Waack
Lula tem acirrado as tensões com os Estados Unidos em meio à tentativa de interferência americana no cenário interno do Brasil.
Não há caminho possível neste momento para entendimentos ‘técnicos’ por conta da questão política, mas Lula acha que nem vale a pena tentar.
Não está claro se Donald Trump quer apenas ajudar Bolsonaro a escapar da cadeia ou derrubar o governo de Lula. Ou se ele acredita que um levaria ao outro. Mas está claro – e as informações de bastidores confirmam – que ele está disposto a escalar as ações contra o Brasil.
Diante dessa inédita crise nas relações centenárias entre os dois países, para todos os efeitos o presidente brasileiro desistiu de negociar o lado político. Não há caminho possível neste momento para entendimentos “técnicos” (leia-se comércio e tarifas) por conta da questão política, mas Lula acha que nem vale a pena tentar.
Foi procurar nos Brics um bloco que não existe. É claro, no momento em que Trump está fazendo uma escolha pelo Brasil – empurrando o país para o lado da China. No fundo está acontecendo exatamente o que deveria ser evitado, mas Lula está confortável com o tipo de situação, pois, no fundo, acredita que o “Sul Global” está do “lado certo” da história.
Chegou a louvar a possibilidade de “autossuficiência” do Sul Global, uma afirmação que expressa apenas a profunda ignorância do presidente brasileiro em relação a como funciona o mundo moderno. Não existe autossuficiência em parte alguma e Xi Jinping poderia ter lembrado o presidente brasileiro disso. Preferiu gastar com Lula palavras protocolares de pouco significado prático para um País, como o Brasil, que descobriu que nadava pelado quando a maré baixou.
Mas esse é apenas o primeiro autoengano. Um segundo autoengano tem a ver com o fato de que Lula parece mesmo convencido de que o esforço de Bolsonaro para escapar da cadeia com a ajuda de uma potência estrangeira, não importa quanto o País saia prejudicado, seria uma “virada do jogo”.
Não é. Os dados de pesquisas diversas indicam que o dano de popularidade sofrido pelo presidente tem fatores estruturais de longo prazo. Não há dúvidas de que Trump, querendo salvar Bolsonaro, está, na prática, ajudando Lula – que está desperdiçando essa vantagem pela incapacidade de, mais uma vez, formar uma aliança de amplo espectro.
Lula prossegue confiando nas armas de sempre, um tipo de assistencialismo agora costurado à medida para grupos sociais diversos, e o ar de “estadista” que Trump e Bolsonaro lhe emprestaram. Ignorando profundas transformações sociais exatamente nas áreas que sempre o garantiram: Nordeste e periferias das grandes cidades.
Assim, não é difícil entender na postura do governo a falta de um sentido de urgência diante dos danos econômicos e geopolíticos que o País está sofrendo. Lula acha que está ganhando (Estadão)