País pode ter escapado do pior, mas uma possível retaliação de Lula pode mudar situação.
Quando Donald Trump anunciou seu ataque tarifário em 2 de abril, ele o apresentou como uma retaliação contra países que teriam “saqueado” e “pilhado” os Estados Unidos por meio do comércio. Mas quando a mais recente rodada de tarifas entrou em vigor em 7 de agosto, o Brasil — um país que importa mais dos EUA do que exporta para lá — foi atingido com uma taxa de 50, uma das mais altas do mundo.
O motivo não foi econômico. Trump está furioso com o fato de seu aliado, Jair Bolsonaro, ex-presidente de extrema-direita do Brasil, estar sendo julgado sob a acusação de tramar um golpe. As tarifas, segundo Trump, seriam uma resposta a essa “caça às bruxas”. O Brasil não foi o único alvo por razões políticas.
A Índia enfrenta tarifa semelhante por comprar petróleo russo. Trump também advertiu Mark Carney, primeiro-ministro do Canadá, de que reconhecer um Estado palestino tornaria as negociações comerciais “muito difíceis”. Ainda assim, o caso do Brasil é o exemplo mais claro, até agora, de Trump usando o comércio como instrumento de interferência nos assuntos internos de outro país.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva respondeu com firmeza. Disse que o Brasil não aceitará ser “tutelado” por potências estrangeiras nem se “humilhará” diante de um “imperador” indesejado. No entanto, evitou retaliar. Em vez disso, um alívio significativo veio de empresas brasileiras e seus clientes nos Estados Unidos, que fizeram lobby direto junto ao governo.
Trump recuou. As tarifas agora em vigor isentam quase 700 produtos, incluindo aviões, petróleo, celulose e suco de laranja. Exportadores de café, carne bovina e frutas não tiveram a mesma sorte. Lula declarou vitória em nome da “soberania” e teve um leve crescimento nas pesquisas.
Mesmo antes das isenções, o impacto das tarifas de Trump na economia brasileira parecia limitado. A maior economia da América Latina é relativamente fechada. Suas exportações valeram menos de um quinto do PIB no ano passado, contra mais de um terço no México e mais de 70% em economias asiáticas abertas, como Vietnã e Tailândia.
O Brasil também é hoje muito menos dependente dos Estados Unidos do que no passado: apenas 13% de suas exportações estão expostas às tarifas de Trump, ante 25% há duas décadas. Enquanto isso, a participação da China cresceu quase seis vezes, chegando a 28%.
As isenções tornam o golpe ainda mais leve. Quase metade das exportações brasileiras para os EUA será poupada, segundo estimativa da empresa de pesquisa TS Lombard. Como resultado, o banco Itaú Unibanco espera que a tarifa efetiva fique em torno de 30%. O Goldman Sachs manteve sua previsão de crescimento do PIB para este ano em 2,3%, citando as isenções como “notáveis”.
Alguns setores, no entanto, vão sentir o impacto. O café é um dos mais afetados. O Brasil exporta quase meio milhão de toneladas de grãos para os EUA por ano, o que representa 16% de suas exportações do produto. O efeito já é visível: os embarques em julho caíram um terço em relação ao ano anterior, enquanto importadores adiaram pedidos devido à incerteza. A Cecafé, associação do setor cafeeiro, alertou para um impacto “significativo” sobre torrefadores e comerciantes brasileiros.
A indústria da carne bovina também será prejudicada: quase 17% das exportações brasileiras foram para os EUA no ano passado, e os embarques já vêm caindo há alguns meses. Exportadores de frutas — especialmente de mangas, açaí e outras frutas tropicais — enfrentam interrupções semelhantes.
Ainda assim, até esses setores podem mostrar resiliência. O Brasil tem diversificado seus mercados ao longo dos últimos anos, e os produtos mais afetados são commodities que podem ser redirecionadas com relativa facilidade. A União Europeia continua sendo o maior comprador do café brasileiro. As vendas para o Leste Asiático e para o Oriente Médio e Norte da África cresceram 25% e 61%, respectivamente, no ano passado.
O comércio com a China continua a crescer. O país já compra a maior parte da carne bovina do Brasil e, em 2 de agosto, aprovou a importação de 183 novas empresas brasileiras de café.
Algumas perdas também podem ser compensadas com apoio estatal. O governo Lula prometeu alívio direcionado, incluindo a compra de estoques excedentes dos produtores afetados. Por fim, há esperança de que as tarifas possam ser suavizadas. O aumento de preços nos EUA pode pressionar a Casa Branca a recuar.
O maior risco pode estar no que Lula fará a seguir. No dia 6 de agosto, ele disse que consultará os outros membros do Brics — grupo de 11 economias emergentes que inclui Índia e China — sobre formas de responder às tarifas de Trump. Isso pode desencadear uma escalada na guerra comercial.
Trump já rotulou o grupo como “antiamericano”. Durante a cúpula do Brics no Rio no mês passado, ameaçou impor uma tarifa adicional de 10% sobre os produtos de seus membros. Quando ainda era presidente eleito, cogitou uma tarifa de 100% caso os países do grupo tentassem abandonar o dólar como moeda de comércio.
Confrontar Trump pode ser politicamente vantajoso. O discurso firme de Mark Carney ajudou a impulsionar a vitória improvável de seu partido Liberal nas últimas eleições no Canadá. As próprias pesquisas de Lula têm melhorado desde que Trump começou a mirar o Brasil, com Lula se apresentando como defensor da soberania nacional (The Economist)