Por Diana Jank
No país 32 vezes menor que o Brasil, ainda na escola, as crianças e jovens aprendem sobre agricultura e agroindústria, iniciativa que aproxima o campo da cidade.
Recentemente, tive a oportunidade de visitar a Nova Zelândia como parte do programa da Nuffield, do qual sou uma das bolsistas de 2025. A Nuffield International Farming Network nasceu em 1947, no Reino Unido, fruto de um ato filantrópico, para estimular produtores a buscar conhecimento e inovação fora de seus países de origem, em um momento extremamente crítico do pós-guerra. O fundador foi Mr. William Morris, empresário e filantropo, que começou a proporcionar viagens internacionais aos agricultores britânicos com o objetivo de identificar boas práticas agrícolas e abrir novos mercados para estimular a produção de alimentos e a economia.
Todos os integrantes selecionados entram com um tópico de pesquisa que, na essência, deve trazer soluções, inovações e transformações para o setor agrícola em um mundo em constante mudança. Minha pesquisa está relacionada à comunicação e visa à melhoria da imagem do agronegócio no Brasil. Como podemos romper a bolha, deixar de converter aqueles que já estão convertidos e acessar verdadeiramente o público urbano? As pessoas perderam a conexão entre o produto que consomem e sua respectiva origem, e eu acredito que é parte da responsabilidade do setor restabelecer essa ponte por meio do acesso à informação.
Durante meus dias por lá, fiz algumas visitas interessantes: conheci uma fazenda de leite com cerca de 600 vacas em lactação em Matamata; participei de uma experiência de agroturismo que recebe entre 400 e 1.000 pessoas diariamente na região de Rotorua; uma produção integrada e verticalizada de leite de ovelha, que se transforma em fórmula infantil com altíssimo valor agregado e é exportada para a Ásia.
Também fui mais ao sul da Ilha Norte para visitar produtores de abóbora que enxergaram uma imensa oportunidade de mercado ao desenvolver branding na categoria de frutas e vegetais (algo na mesma linha do que a Zespri fez), além de promoverem um estreitamento na relação com o varejo no Japão por meio de ações inovadoras. Na mesma região, tive ainda a chance de conhecer a única produção de frango orgânico do país e, enquanto via os animais ciscando entre macieiras e oliveiras, ouvia da responsável pelo marketing os desafios de posicionamento de marca.
Foram muitos aprendizados e insights sobre a imagem do setor, as dificuldades enfrentadas pelos diferentes segmentos e o papel da indústria no elo entre produtor e consumidor. Acontece que, no caminho entre Auckland e Rotorua, enquanto eu me concentrava para dirigir na mão inglesa e me distraía com as paisagens idílicas, fiquei impressionada com a quantidade de vacas. Logo ali, na beira da estrada. De uma ponta a outra.
A Nova Zelândia é rural. Transborda natureza. Campo e mata nativa andam juntos. Essa ilha pequena, com 5,3 milhões de habitantes, exporta entre 80% e 90% de sua produção agropecuária e, mesmo com apenas 15% da população vivendo na área rural, carrega o campo em sua essência. Ouvi de uma das pessoas com quem conversei que o agroturismo definitivamente não é uma das melhores ferramentas de marketing para aproximar o campo da cidade — justamente porque o neozelandês já está acostumado com essa realidade.
Acredito que um dos principais problemas da imagem deturpada do agronegócio no Brasil é o abismo que se formou entre o campo e a cidade. Crescer vendo vacas pastando à beira da estrada ajuda a materializar a realidade. Aproxima. Naturaliza. E, se já é difícil associar o leite à vaca, imaginem a soja à carne.
Vejo esse como um dos maiores obstáculos para o nosso país, tão cheio de vida, jovens, recursos, terras, energia e um potencial produtivo gigante: é essencial integrarmos a cadeia e contarmos a história do pasto ao prato, da soja à carne, do algodão à camiseta, do fertilizante ao queijo da pizza.
É verdade que a Nova Zelândia tem uma vantagem: é mais fácil falar, para leigos, de vaca feliz quando ela está no pasto, e não dentro do estábulo. Em tempos de transparência radical, especialmente quando se trata de sustentabilidade e bem-estar animal, o storytelling da produção de leite do país já nasce pronto e é extremamente valorizado na Ásia, seu principal mercado de exportação.
Por outro lado, existe também um enorme aprendizado em relação à educação da população. A maioria dos habitantes do país, justamente por estarem tão próximos da vivência das fazendas, entende a importância do setor para a sustentabilidade econômica, desde a geração de empregos e a produção de alimentos para o país inteiro até o papel fundamental na economia por meio das exportações.
Para mim, fica o enorme aprendizado de como é essencial termos um setor unido. Falar sobre vaca feliz no pasto é mais fácil, mas definitivamente não é a única solução, especialmente quando falamos de contextos diferentes da Nova Zelândia ou da Irlanda, por exemplo. Funciona para algumas realidades, mas não para outras. Simples assim.
É desafiador explicar a um consumidor habituado a imagens bucólicas que, na maioria das vezes, para não dizer sempre, existe mais conforto animal dentro de um compost barn do que em um pasto no maior país da América do Sul.
É difícil explicar toda a diversidade e os 6 biomas que cabem dentro de um país cerca de 32 vezes maior que a Nova Zelândia, com diversos microclimas, sem estações bem definidas, quente e com chuvas “fora de época” para quem não vive essa realidade. O Brasil transborda diversidade e realidades bastante específicas que exigem muito esforço para que a mensagem chegue até o consumidor, rompendo com ideias que importamos de outros países. Precisamos ser nossa própria referência.
Por lá, ainda na escola, as crianças e jovens aprendem sobre agricultura e agroindústria. Existem diversos projetos, desde o Farmer Time for Schools, no qual turmas são conectadas a fazendeiros reais para conversar sobre a realidade da produção de alimentos, até iniciativas integradas nas disciplinas de ciências e estudos sociais, como o Garden to Table, Wool in Schools e Soil, Food and Society.
O acesso à informação dentro do ambiente escolar reforça a importância de a população compreender o impacto do agronegócio na economia de um país inteiro, contribuindo para uma imagem horizontal, com senso de comunidade, e não carregada de superioridade. Não vejo outra saída além do investimento em educação. Não existe comunicação sem educação. É urgente a criação de acessos.
A discussão sobre emissão de metano é a mais latente, no momento, dentro da pecuária na Nova Zelândia. As empresas de genética falam sobre isso, os líderes classistas falam sobre isso, o consumidor fala sobre isso. Todos, de alguma forma, estão transformando suas realidades para se adequar ao que o novo mundo pede. Afinal, sustentabilidade deixa de ser uma vantagem competitiva e passa a ser obrigatória para sobreviver no mercado.
Dentro dessa realidade, não vejo melhor resolução senão a indústria assumindo o protagonismo no elo entre produtor e consumidor, possibilitando visão de futuro, bancabilidade, investimento alinhado à demanda e pagamento de prêmios por uma produção de alimentos diferenciada, que atenda ao novo consumidor.
É papel da indústria se encarregar de contar a melhor e mais verdadeira história, para que o consumidor esteja disposto a pagar por tudo isso e o produtor seja estimulado a se diferenciar e a fazer mais pelo meio ambiente. Não se trata mais apenas de práticas sustentáveis: trata-se do que devolvemos à terra e de como o agronegócio, especialmente a pecuária, seja de leite ou de corte, possui um enorme potencial e uma grande oportunidade de ser um dos únicos setores capazes de ir além, contribuindo para a redução das emissões do planeta.
O mundo está repleto de bons exemplos quando se trata de comunicação. Torço para que o Brasil seja um país que saiba se inspirar, sem jamais esquecer de ser protagonista e contar suas incríveis histórias, que nascem em um território único. Sem comparações. Nós somos o que somos (Diana Jank é uma publicitária da terceira geração de produtores de leite em Descalvado (SP), na fazenda Agrindus. Ela é a diretora de marketing da marca Letti A²; Forbes)