O presidente dos Estados Unidos sinalizou que tentaria usar a ameaça de taxas elevadas para reorientar o comércio e proteger seus aliados políticos.
Há muito tempo, o presidente Trump considera as tarifas como uma arma poderosa para aumentar a receita, impulsionar a produção e facilitar a venda de produtos no exterior para as empresas americanas.
Esta semana, ele utilizou a ameaça de tarifas elevadas de uma forma mais inovadora, buscando interferir na política de outro país, uma medida que levantou novas questões legais sobre os poderes do presidente sobre o comércio.
Na quarta-feira, Trump mirou no Brasil, alertando que suas exportações para os Estados Unidos poderiam sofrer uma tarifa de 50% a partir de 1º de agosto. A alta taxa foi notável, assim como o fato de ele ter vinculado essa taxa punitiva ao tratamento dado pelo Brasil ao seu ex-presidente Jair Bolsonaro.
Trump atacou duramente as autoridades brasileiras pela forma como trataram Bolsonaro, que enfrenta acusações de ter tentado orquestrar um golpe e permanecer no poder após uma derrota nas eleições de 2022. Para Trump, as alegações equivaliam a uma “caça às bruxas”. Ele pareceu exigir que os tribunais brasileiros tomassem medidas em nome de Bolsonaro; caso contrário, o País enfrentaria severas penalidades comerciais em breve.
Especialistas jurídicos descreveram a advertência pública de Trump como significativa, pois questionaram se o presidente tinha autoridade para emitir tarifas em busca de objetivos puramente políticos. O Congresso tem principalmente o poder de tributar as importações, embora o presidente possa agir por conta própria em casos limitados enumerados na lei, especialmente para proteger a segurança nacional.
Trump citou outras razões econômicas esta semana para impor novas e pesadas tarifas ao Brasil, alegando incorretamente em um ponto que os Estados Unidos têm um déficit comercial com o País. Na verdade, os Estados Unidos exportam mais produtos para o Brasil do que importam.
Mas alguns ex-integrantes do governo e especialistas em comércio internacional ainda enxergam a carta do presidente como uma nova etapa em sua crescente guerra comercial global — um movimento que já provocou diversas contestações legais e que, em breve, pode chegar à Suprema Corte dos Estados Unidos.
“Ele descobriu que as tarifas podem ser uma arma muito eficaz para modificar o comportamento de outros países”, disse Wilbur Ross, que atuou como secretário de comércio no primeiro mandato de Trump. Ross disse que proteger Bolsonaro não tem “nada a ver” com a redução do déficit comercial do país, um dos principais motivos de Trump para impor tarifas.
O ataque de Trump ao Brasil ainda se encaixa em um padrão mais amplo, no qual ele tentou alavancar as ferramentas de comércio para ajudar seus aliados ou promover uma agenda não relacionada ao comércio internacional.
Nos últimos meses, os Estados Unidos impuseram sanções contra autoridades envolvidas nas investigações sobre a atuação do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, durante a guerra com a Palestina. Na quarta-feira, o governo Trump anunciou que ampliará essas penalidades para incluir Francesca Albanese, relatora especial da ONU para os territórios palestinos ocupados, que vem colaborando com as investigações internacionais.
Separadamente, Trump aproveitou o espectro de tarifas exorbitantes para facilitar sua deportação de imigrantes para a Colômbia e, recentemente, ameaçou dobrar as tarifas sobre a Espanha depois que o país pediu espaço de manobra nas metas de gastos para a Organização do Tratado do Atlântico Norte.
Na quinta-feira, 10, a Casa Branca não respondeu imediatamente a um pedido de comentário sobre suas exigências exatas para o Brasil, com o qual ainda busca fechar um acordo comercial. O líder da nação, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, fez uma declaração desafiadora nas mídias sociais, sinalizando que responderia, mantendo que Bolsonaro “é de responsabilidade exclusiva do Judiciário brasileiro”.
Ted Murphy, co-líder da prática comercial do escritório de advocacia Sidley Austin, disse que não estava claro “qual autoridade” a Casa Branca poderia citar para impor uma tarifa de 50% sobre os produtos brasileiros com base no tratamento dado pelo País a Bolsonaro.
“Uma questão política brasileira é uma ameaça à segurança econômica ou nacional dos EUA?” perguntou Murphy, antes de oferecer uma resposta: “Isso parece ser uma ponte longe demais”.
Enquanto isso, Trump seguiu em frente com sua guerra comercial global, travada publicamente em uma campanha de cartas cada vez mais ampla. Dezenas de países poderão enfrentar tarifas mais altas em suas exportações para os Estados Unidos no próximo mês, disse o presidente, a menos que cheguem a um acordo comercial que o satisfaça.
As tarifas iminentes são uma retomada da política comercial de Trump, que pode resultar em aumentos de preços para os consumidores e empresas dos EUA. O presidente tem insistido que suas tarifas serão benéficas apenas para a economia, dizendo no Truth Social na quinta-feira que os Estados Unidos estão “recebendo centenas de bilhões de dólares em tarifas”.
No centro de sua estratégia legal está a Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional, uma lei de 1977 que os presidentes anteriores usaram apenas para impor sanções e embargos. Trump adotou uma visão mais abrangente e contestada do estatuto, acreditando que ele o capacita a impor taxas em escala global sem a aprovação do Congresso.
Desde o início, a interpretação de Trump desencadeou uma onda de contestações legais, pois empresas, autoridades estaduais e outros argumentaram que ele havia excedido sua autoridade de acordo com uma lei que nem sequer inclui a palavra tarifa. Em maio, um tribunal federal concordou, declarando ilegais muitas das tarifas de Trump, uma vez que um painel de juízes determinou que ele não tinha “autoridade ilimitada” para travar uma guerra comercial global.
O governo entrou com um recurso, que continua em andamento, e os advogados do governo disseram explicitamente que levariam a questão à Suprema Corte, se necessário. Nesse meio tempo, os juízes federais permitiram que o presidente mantivesse suas tarifas, depois que os advogados do governo argumentaram, com sucesso, que uma interrupção abrupta dos impostos de importação prejudicaria sua credibilidade e a realização de acordos.
Jeffrey Schwab, advogado sênior do Liberty Justice Center, que representa um grupo de pequenas empresas que está processando o governo, disse que as novas ameaças tarifárias de Trump pareciam apenas confirmar seus argumentos no caso.
“É exatamente por isso que essas tarifas são um problema”, disse ele. “Elas podem mudar de uma hora para outra, e nossos clientes não conseguem saber quais serão as tarifas porque elas mudam muito rapidamente.”
Schwab disse que também esperava que a ameaça política contra o Brasil, em particular, surgisse durante a contestação legal. Ele disse que a principal justificativa do presidente para emitir tarifas sob a lei federal de emergência econômica é responder a um déficit comercial, e que as tentativas de Trump de proteger Bolsonaro “não têm nada a ver com isso”.
Trump ainda poderia emitir uma ordem executiva impondo tarifas ao Brasil, omitindo qualquer menção à sua situação política. Em sua carta desta semana, o presidente também criticou os líderes brasileiros por suas políticas comerciais, acusando-os de emitir “ordens de censura secretas e injustas para plataformas de mídia social dos EUA”.
Greta Peisch, ex-funcionária do setor de comércio e atualmente sócia do escritório de advocacia Wiley Rein, afirmou que ainda é cedo para saber como os tribunais vão interpretar a abordagem do presidente. Segundo ela, como a medida foi comunicada apenas por carta — e não por meio de uma ordem executiva —, ainda não está claro quais dispositivos legais o governo pretende invocar nem qual será a justificativa formal para utilizá-los.
Mas Peisch acrescentou: “A carta do Brasil parece ser única. A maioria das ações tarifárias tem se baseado em questões comerciais” (The New York Times)